Com uma carteira de projetos em curso no Brasil que somam US$ 11 bilhões, o Banco Mundial (Bird) quer que os seus investimentos resultem na redução das desigualdades no país. Para atingir esse objetivo, o organismo multilateral aposta que os aportes destinados à infraestrutura são o melhor caminho. Diretor do Bird para o Brasil, Makhtar Diop ressalta que a atual fase de crescimento econômico reforçou a necessidade de superação de gargalos históricos, que limitam outros avanços na qualidade de vida da população. ;O Brasil terá papel ainda mais importante no futuro do banco, como vitrine de boas práticas voltadas à redução de desigualdades;, disse em entrevista exclusiva ao Correio.
Para desembolsar os recursos previstos para o Brasil, no entanto, o Banco Mundial vai exigir contrapartidas dos governos federal e estaduais. A instituição trabalha para ampliar parcerias, mas exigirá dos gestores públicos eficiência nos gastos, com a adoção de estratégias fiscais e administrativas como forma de recuperar a capacidade de investimentos estatais.
Makhtar Diop está conversando com ministros e governadores para elaborar o plano estratégico do próximo ano fiscal (2011-2012), que começa em julho, e adianta que os próximos alvos devem ser agilizar e aperfeiçoar os gastos dos orçamentos de estados e da União. Nesse sentido, Diop considera inevitável também criar condições institucionais para ampliar o investimento privado em concessões públicas de infraestrutura. ;Não há outra saída. As necessidades do país nas áreas de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias é grande demais para se escolher fontes exclusivas de investimento;, sublinhou.
Ex-ministro da Fazenda do Senegal, seu país natal, e chefe da representação local do Bird, com sede em Brasília, desde janeiro de 2009, Diop ainda critica a polêmica em torno de um eventual processo de privatização da infraestrutura. ;O debate em torno da privatização é um falso debate;, afirmou. O executivo destaca o novo papel internacional do Brasil, que deixou de ser alvo do socorro financeiro para ser doador de recursos a nações pobres. Mas ressalta que os avanços conquistados ao longo da última década na melhoria de renda e na mobilidade social só revelam o ainda gigantesco desafio de superar as desigualdades sociais. Qual é a posição do Brasil nos atuais investimentos do Bird? Brasil é o segundo na carteira de investimentos do Grupo Banco Mundial, dedicada prioritariamente a nações de renda média. O país cedeu a liderança ao México em 2009, durante a crise econômica mundial, por não mais requerer nossos recursos de socorro financeiro, representados pela AID (da sigla em inglês de Associação para o Desenvolvimento Internacional). Por esse critério, o Brasil está à frente da China. O AID passou a contemplar mais o México, prejudicado pela maior integração com a economia dos Estados Unidos, e o Brasil reforçou, por sua vez, a posição de destaque em projetos voltados a resultados duradouros, diferentes das situações de emergência.
Os projetos tocados no Brasil têm, então, uma visão de mais longo prazo?
Sim. O país superou a crise financeira graças a ações do Ministério da Fazenda, empregando medidas anticíclicas e aproveitando as elevadas reservas cambiais. Com o quadro adverso deixado para trás, o governo avisa, agora, que fará ajustes em seus gastos visando voltar aos superavits estáveis. Estamos atentos a esse discurso e às iniciativas da presidente Dilma Rousseff, como a de nomear uma comissão para avaliar os gastos públicos. Neste sentido, ressaltamos o lançamento este ano de parcerias para aperfeiçoar a gestão de hospitais universitários, apoiar projetos dos ministério dos Transportes e de Minas e Energia, subsidiar o programa habitacional do governo fluminense para moradores em áreas de risco e ainda apoiar um plano de reestruturação do governo baiano.
Quais áreas do setor público o senhor considera mais fragilizadas?
Além de atuar onde o governo investe pouco, caso da infraestrutura, achamos que é preciso melhorar onde ele gasta muito, como saúde e educação. Os consideráveis avanços na universalização dos serviços contrastam com o desafio da qualidade. A educação, por exemplo, é uma das áreas onde há grande oscilação de indicadores entre estados e cidades, sobretudo na qualificação de professores. Mais do que financiamento, atuamos no sentido de apoiar transferencias de conhecimento entre governos e fortalecer a colaboração técnica, como já conseguimos no Sistema Único de Saúde. Ressalto ainda que também há um abismo entre o nível de tecnologia e competitividade das empresas pequenas e médias em comparação às grandes multinacionais brasileiras, como Petrobras, Vale e Embraer.
Queremos apoiar o desenvolvimento empresarial por inteiro.
Qual o peso dos estados no esforço do banco para aprimorar a gestão pública?
É um peso crescente naquilo que chamamos de gestão pública de resultados. A maior parte de nossos projetos no país, 70%, foi firmada com governos estaduais e voltada à reestruturação administrativa e fiscal. O restante é com a União. Há sete anos, a proporção entre projetos federais e estaduais era inversa. Temos uma parceria mais antiga e consolidada com o governo de Minas Gerais, com excelentes resultados e que foi replicada noutros estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Ficamos felizes em
assistir, agora, o governo fluminense alcançar o grau de investimento (nota máxima atribuída por agências de risco). Os demais projetos envolvendo a União se dedicam à busca por competitividade do país, sobretudo na infraestrutura. Acreditamos que o Brasil continuará sendo vitrine de nossos projetos, com desempenhos decisivos para o futuro do banco.
Em que o novo cenário econômico internacional influenciou na visão do banco sobre o Brasil?
O papel internacional do Brasil mudou sensivelmente na última década, graças à sua ação generosa em favor de nações mais pobres, compartilhando ganhos do desenvolvimento. Reconhecemos a forte liderança brasileira na cooperação entre países do Hemisfério Sul e agradecemos o gesto do Brasil de fazer a primeira doação (US$ 55 milhões) ao nosso fundo para socorrer o Haiti, em 2010. É também interessante constatar que o Bolsa Família se tornou modelo, levando colegas do Bird de outros países, como a Índia, a visitarem nosso escritório de Brasília em busca de informações. Apoiamos o programa desde o início, particularmente, focados na melhoria da avaliação de resultados e no monitoramento da operação. Nosso apoio ao intercâmbio de boas experiências chega ao setor produtivo, como a atuação da Embrapa na África, aproveitando semelhanças entre agriculturas irrigadas do cerrado e da savana.
O que o Bird considera como mais crucial para o Brasil continuar avançando?
A mensagem mais forte que o Banco Mundial faz hoje ao Brasil é a da necessidade urgente de mais investimentos em infraestrutura, como forma de sustentar o crescimento econômico e até mesmo reduzir o nível ainda elevado de desigualdade social. A expressiva melhora das condições de renda da população nos últimos anos serviu para confirmar o longo caminho a ser percorrido. As carências em infraestrutura de transportes são uma característica brasileira, bem mais grave do que a de outros países emergentes. Pela dimensão de suas necessidades, os recursos investidos em infraestrutura, tanto públicos quanto privados, são insuficientes. O setor público precisa conseguir espaços no orçamento para investir mais e ainda criar ambiente regulatório favorável ao investimento privado em saneamento básico, por exemplo. Por isso, consideramos o debate em torno da privatização da infraestrutura um falso debate. Os gargalos em portos, aeroportos, rodovias e ferrovias são grandes demais para se escolherem fontes exclusivas de investimento. Não há outra opção. Indefinições só elevam o risco de não se chegar a lugar nenhum no campo da competitividade. Além do mais, conceder não é privatizar.
A Copa do Mundo e a Olimpíada podem ajudar o país a superar a saturação dos aeroportos?
O caos nos aeroportos reflete o crescimento acelerado da procura pelo transporte aéreo, ampliada pelo ingresso nesse mercado dos consumidores da chamada Classe C nos últimos três anos. Na avaliação do Bird, a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016 não são os principais desafios à infraestrutura aeroportuária. O mais importante é viabilizar investimentos públicos e privados, como sinalizou a presidente Dilma, ao propor fazer concessões públicas de aeroportos. Trabalhamos com horizonte de longo prazo e achamos que, se o setor tivesse seguido antes planejamento de investimentos, talvez não tivesse sofrido com os atuais gargalos e ainda supriria antecipadamente a demanda futura dos grandes eventos esportivos. Os investimentos agora são só para recuperar o tempo perdido.
Quais dados o senhor está avaliando na revisão em curso do plano estratégico do banco no país?
Estou iniciando conversas com ministros e governadores para saber de suas prioridades e elaborar nosso plano estratégico para o Brasil no próximo ano fiscal, que começa em julho. Já fui procurado por dois recém-eleitos, interessados em adotar estratégias fiscais para recuperar a capacidade de seus estados investirem. Com o governo federal deveremos continuar projetos de apoio à regularização ambiental de investimentos, como os acordos que celebramos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O atual ano fiscal tem orçamento previsto de US$ 5 bilhões, tendo executado US$ 2 bilhões em 2010, restando outros US$ 3 bilhões para este ano. Em todo o ano de 2010, desembolsamos US$ 3,7 bilhões, dentro de uma carteira de longo prazo de US$ 11 bilhões.