Jornal Correio Braziliense

Economia

Fundo Soberano pode intervir no mercado de câmbio para conter alta do real

Depois de ser mais uma vez surpreendido pela queda do dólar ante o real, na sexta-feira passada, o governo reforçou a sua artilharia e deu o sinal verde para que os R$ 18,7 bilhões do Fundo Soberano Brasileiro (FSB) sejam usados na compra da moeda norte-americana. Foi a segunda medida anunciada pela administração Dilma Rousseff em menos de uma semana para tentar conter a supervalorização da moeda nacional frente à norte-americana. Entre as ações autorizadas pelo FSB está a intervenção no mercado futuro (ou de derivativos) de câmbio, no qual as apostas contra o dólar passam dos US$ 20 bilhões. Na prática, as operações funcionarão como compra de dólares.

Apesar da demonstração de força do governo, o mercado praticamente ignorou as medidas e o dólar encerrou o dia com um pequeno avanço de 0,12%, cotado a R$ 1,688 — praticamente “empatado”, no jargão econômico. A explicação é simples. Assim como a cobrança de compulsórios sobre as operações no mercado à vista, divulgada na última quinta-feira pelo Banco Central, demorará três meses para retirar até US$ 7 bilhões do caixa dos bancos, a forma de atuação do Fundo Soberano não está sacramentada — é preciso assinar um convênio com o BC, que ficará responsável por executar as operações.

“O que se está vendo, por enquanto, é o governo querendo criar ruídos no mercado para aumentar os riscos das apostas contra o dólar. É como se o governo usasse a psicologia para conter a especulação. Ou seja, está agindo nas expectativas, já que as medidas anunciadas só terão impacto efetivo ao longo de meses”, disse o sócio-diretor da corretora de câmbio NGO, Sidnei Nehme. Ele acredita que, das ações anunciadas até agora, a liberação do Fundo Soberano para intervir no câmbio é a mais eficiente, pois criará um contraponto importante aos especuladores.

Riscos
Mas os riscos são grandes. Ao entrar no mercado futuro, o Fundo apostará na alta do dólar e o mercado, na elevação dos juros — o que os analistas chamam de swap reverso. Ou seja, já na partida, o Tesouro Nacional pode arcar com prejuízos, pois, na próxima semana, o BC será obrigado a elevar a taxa básica de juros (Selic) de 10,75% para 11,25% ao ano, e não há perspectivas de desvalorização do real em curto prazo. Não à toa, o Banco Central vinha relutando em realizar tais operações, apesar das pressões do mercado. Até 2008, a instituição — criticada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) — arcava com prejuízos superiores a US$ 30 bilhões, que, por sorte, foram zerados com a alta do dólar provocada pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou, no entanto, minimizar a possibilidade de perdas. “Claro que qualquer operação tem um pouco de risco, mas confiamos na trajetória cambial e temos certeza de que não haverá valorização do real”, afirmou. Seja como for, a Fazenda adiou o quanto pôde a autorização para que o Fundo Soberano entrasse no mercado cambial. A decisão foi tomada em setembro do ano passado, mas somente ontem a publicação no Diário Oficial deu as condições operacionais para o Tesouro Nacional. Além dos contratos derivativos, o FSB poderá atuar no exterior por meio de fundos de investimentos.

Segundo o subsecretário de Planejamento e Estatísticas do Tesouro, Cleber de Oliveira, as autorizações dadas do FSB vêm no momento adequado e darão à flexibilidade necessária ao governo para administrar os recursos do Fundo. Ele ressaltou ainda que os convênios com o BC estão próximos de serem assinados. O mercado aguarda com ansiedade, pois a impressão é de que o governo não usará mais o derretimento do dólar para controlar a inflação, dado o estrago que se percebe na balança comercial do país.

“Antes, a alta do real interessava ao BC, porque era mais fácil controlar a inflação. Mas, com a nova gestão (da autoridade monetária), percebeu-se que tal política é insustentável, pois a conta é paga pelo setor produtivo”, destacou o gerente de câmbio da Fair Corretora, Mário Battistel. Ele ressaltou que o mercado não descarta a adoção de mais medidas pelo governo, como promete Mantega, caso o dólar continue derretendo.

Apoio ao controle

O fórum econômico que reúne os presidentes dos principais bancos centrais do mundo (Global Economy Meeting), na Basileia, Suíça, considera “legítimas” as iniciativas de países emergentes, como Brasil, para controlar os fluxos de capitais estrangeiros que supervalorizam as suas moedas. Para o Banco Central Europeu (BCE), caso as economias em desenvolvimento continuem sendo inundadas de recursos estrangeiros, a adoção de medidas macroeconômicas não convencionais, que vão além do ajuste fiscal e do combate à inflação, será inevitável.

Cartas na manga
Diante do derretimento do dólar em relação ao real, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurou que novas medidas estão prontas para serem adotadas, caso o processo não seja revertido. Para o chefe da pasta, a “guerra cambial” na qual as principais economias mergulharam no ano passado oferece sérios riscos à indústria nacional, uma vez que a valorização da moeda brasileira dificulta as exportações, e prometeu combater na Organização Mundial do Comércio (OMC) o protecionismo monetário.

“Esta é uma guerra monetária que está se transformando em guerra comercial. Temos excelentes relações comerciais com a China, mas há alguns problemas. É claro que gostaríamos de ver uma reavaliação da moeda chinesa”, comentou.

A batalha comercial se acirrou após a crise financeira, momento no qual as principais economias adotaram ações para defender seus próprios mercados. No caso da China, a aposta foi em manter o Iuan artificialmente desvalorizado em relação ao dólar (e às demais divisas), para facilitar as exportações e sustentar a produção da indústria local. Já os Estados Unidos recorreram à impressão de mais dólares como forma de estimular o consumo e o mercado doméstico. Esses recursos, no entanto, foram parar em mercados emergentes, como o Brasil, supervalorizando as moedas locais.

Entre as medidas já tomadas estão a elevação da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cobrado na entrada de capitais estrangeiros em títulos de renda fixa, de 2% para 6%. Outras brechas na legislação foram fechadas, além do incremento nas compras diárias de dólares realizadas pelo Banco Central.

Para a economista do Santander Tatiana Pinheiro, como a taxa de câmbio tem a ver com as condições do mercado internacional, ela independe da atuação do governo, o que diminui sua eficácia. “É claro que as ações têm impacto, mas ele é limitado”, avaliou. A opinião é partilhada pelo economista-sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano. “O que o governo fizer, por enquanto, não muda a tendência do dólar, que vai ficar fraco (em relação ao real) por um bom tempo”, afirmou.

Além das práticas já adotadas, o governo pode ainda instituir o controle de capitais efetivo, no qual os investidores estrangeiros que trouxessem dólares para o país seriam obrigados a deixar os recursos no mercado por um período mínimo, processo conhecido como quarentena.

Balança tem deficit
O salto no volume de importações levou a balança comercial brasileira a iniciar o ano com um deficit comercial de US$ 486 milhões, segundo os números divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). As compras externas somaram US$ 3,2 bilhões nos primeiros cinco dias úteis de 2011, montante 13,8% superior aos desembarques médios diários realizados no mesmo período do ano passado. As vendas ao mercado externo, em contrapartida, registraram queda de 1,6% na mesma comparação e totalizaram US$ 2,7 bilhões.

Entre os itens que compõem as transações brasileiras com os parceiros comerciais, as maiores elevações de gastos foram realizadas nas compras de adubos e fertilizantes, que dobraram o volume de desembarques (104,3%), e aeronaves e peças (51,9%). Também foram ampliadas as compras com máquinas e equipamentos (35,7%), borrachas (27,6%) e plásticos (14,4%). O incremento nas compras está relacionado à facilidade de se obter tanto partes do maquinário quanto os insumos necessários à produção em outros países, fruto do dólar desvalorizado em relação ao real.

Promessa
O mesmo efeito dificultou, na primeira semana do ano, a colocação no exterior de produtos manufaturados, que têm maior valor agregado. Eles foram os que registraram maior queda nas vendas no período (15,5%), seguidos pelos itens semimanufaturados (0,9% de recuo). O desempenho prejudica a produção nacional e aumenta as pressões sobre Fernando Pimentel, que assumiu na semana passada o comando do Mdic com a promessa de aumentar a competitividade das empresas brasileiras.

O resultado da primeira semana do ano na balança comercial só não foi pior por conta da exportação de produtos básicos, compostos principalmente por commodities, que aumentou 18,3% em relação à média diária embarcada no mesmo período de 2010.