A crise financeira mundial ; estourada no último trimestre de 2008 e que se estendeu no ano seguinte ; contribuiu, e muito, para uma forte mudança no cenário econômico. As incertezas sobre a recuperação rápida da Europa e dos Estados Unidos, países considerados seguros para a maioria dos investidores, desencadearam um forte redirecionamento do capital estrangeiro rumo aos países emergentes. No meio da turbulência financeira, essas nações também ganharam voz e importância no contexto geopolítico que culminou com a ascensão do G-20 ; grupo que reúne as 19 mais importantes economias do planeta e a União Europeia ; ao topo da liderança do debate global. Criado nos anos 1990 com viés comercial, o bloco tornou-se a expressão do atual e do futuro pensamento mundial.
Estimativas feitas pelo Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) confirmam esse movimento. A organização que agrega os maiores bancos do mundo prevê que os países emergentes receberam US$ 825 bilhões em 2010, ou seja, 42% a mais do que os US$ 581 bilhões do ano anterior. China e Brasil lideram o ranking desses investimentos e são acompanhados de perto pelos demais integrantes do Bric (acrônimo do grupo que, além de Brasil e China, reúne Rússia e Índia). A África também demonstra um grau elevado de expansão.
O fato de os emergentes se expandirem em um ritmo bem mais acelerado do que as economias mais ricas é o principal atrativo dos investimentos estrangeiros. Para o IIF, essa tendência tenderá à aceleração nos próximos anos, quando os emergentes assumirão, de vez, o papel de protagonistas do mundo. É o que reforça estudo da Consultoria PricewaterhouseCoopers: em 2050, o Brasil será a quarta maior economia global e os países em desenvolvimento ganharão, cada vez mais, importância no cenário global, desbancando o G-7 ; Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá; , até bem pouco tempo o clube que dava as cartas no planeta.
A nova ordem global não mudará nem mesmo com as economias mais ricas saindo do atoleiro em que se encontram. ;Os olhos dos investidores estão voltados para os países emergentes. E vão permanecer assim por um longo período;, diz Carlos Asciutti, sócio da Ernst & Young. Sobre o Brasil, ele é taxativo: ;A economia brasileira vem ganhando massa muscular. O país vive hoje um momento semelhante ao dos Estados Unidos nos anos de 1950 e 1960, tanto em taxa de crescimento quanto de investimentos;. O mais interessante, ressalta, é que o poderio econômico do Brasil está atravessando fronteiras, criando raízes mundo afora. Empresas verde-amarelas como a Vale, a Petrobras, a Gerdau e o frigorífico JBS estão entre os líderes globais dos mercados em que atuam.
Lucro certo
Ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles vai além: ;O Brasil é considerado um dos cinco mercados mais importantes do mundo por diversas companhias internacionais. Tem uma das maiores indústrias automobilísticas do mundo, com 25 fábricas;. A filial da Fiat, por exemplo, já é maior no país do que a sua matriz italiana. Entre 2008 e 2009, quando a General Motors quase foi à falência nos Estados Unidos, as unidades brasileiras lucraram alto. ;O capital sabe onde vale a pena estar, onde o lucro é certo. Certamente, essa não é a realidade das economias desenvolvidas;, analisa o economista Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco e professor do Programa de Gestão Internacional da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
A rápida recuperação da economia brasileira após a crise financeira global tem feito a diferença nas decisões dos investidores. Mas não é só. O potencial de oportunidades na área de infraestrutura enche os olhos dos que estão atrás de bons negócios. Além das estradas deficientes, de aeroportos à beira do caos, ferrovias e portos com gargalos terríveis, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 despontam como oportunidades poucas vezes vistas em um espaço tão curto de tempo. Não à toa, o Brasil e os demais emergentes entraram de forma definitiva no radar dos chamados fundos de private equity, especializados em investimentos de risco. ;A taxa média de retorno desses fundos no mercado brasileiro gira em torno de 17%, acima da média global, entre 8% e 10%;, diz André Segadilha, sócio da AEG Soluções. ;Em algumas regiões do país, o percentual de rentabilidade é até três vezes maior.;
De olho nesse potencial, o indiano Ahsan Ali Syed, dono da WGA, despejou US$ 650 milhões em vários países emergentes e planeja aplicar US$ 500 milhões só no Brasil. ;Vamos entrar com força no país em 2011. Pretendemos investir em diversas áreas e regiões;, afirma Syed. ;Estamos em contato com 18 empresas no momento;, ressalta, mantendo sigilo sobre os parceiros, dada à acirrada concorrência. ;Procuro investir em vários setores. As oportunidades são muitas: infraestrutura, mineração e habitação. Mas se houver a possibilidade de investirmos no mercado financeiro, não vamos ignorar;, avisa.
Percalços
Na visão do diretor de operações da Rio Bravo Investimentos, Luis Eugênio Figueiredo, o aumento do fluxo de capitais estrangeiros para as economias emergentes ficará na casa dos dois dígitos nos próximos anos. ;As chances de ganho são enormes;, resume. A razão para isso é simples: a maior parte desses países combina políticas macroeconômicas consistentes, mobilidade social, inflação sob controle e, no caso do Brasil, um sistema democrático consolidado. Com isso, o risco-país, que passava dos 2.400 pontos há oitos, está encostando nos 100 pontos, taxa de nações desenvolvidas.
;Quanto menor for esse índice, menor é o risco de insolvência para a economia. Essa é a razão pela qual os investimentos externos em 2011 poderão ultrapassar US$ 45 bilhões, registrando aumento de 22% sobre o ano passado. Esse é o verdadeiro fator de valorização da moeda nacional;, analisa o professor de Economia da Escola de Administração e Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV) Ernesto Lozardo, autor do livro Globalização: a certeza imprevisível das nações. Nem tudo, porém, são flores. O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, alerta para os riscos da volta da inflação com a onda de investimentos estrangeiros no país. Para ele, é preciso garantir que o grosso do dinheiro vá para o aumento do parque produtivo e não para a especulação. ;É nesse ponto que o governo terá papel relevante, o de regulador, para evitar desequilíbrios;, frisa.
Escalada
Os fundos de investimento em capital de risco crescem de forma acentuada no Brasil. Atualmente, o volume de recursos injetados no país por meio deles atinge algo em torno de US$ 40 bilhões. A Rio Bravo Investimentos é um exemplo dessa escalada. Em curto espaço de tempo, captou R$ 300 milhões para projetos de infraestrutura e já registra demanda para um segundo fundo da mesma dimensão.