Jornal Correio Braziliense

Economia

Até 2020, sete países em desenvolvimento serão os 'donos do mundo'

Os olhos das montadoras já não brilham mais por Estados Unidos, Alemanha e Japão. Agora, quando querem bater recordes de vendas de carros, as multinacionais despejam primeiro nas prateleiras do Brasil, da China, da Índia as suas principais apostas. Com os bancos ocorre a mesma coisa. Ao longo das próximas décadas, os gigantes financeiros acreditam que a maior parte de seus lucros jorrará dos que se denomina hoje países emergentes. O que as empresas e as instituições financeiras vislumbram em seus planos estratégicos é um pequeno resumo da mutação pela qual passa a ordem global.

Acostumado a lidar com um único protagonista, os Estados Unidos, e poucos coadjuvantes de peso, o mundo, daqui por diante, terá de conviver com um multilateralismo sem precedentes ; a última vez que o planeta se viu nessa condição foi no início do século passado, quando a Inglaterra definhou e a França, Alemanha, Japão e Alemanha ganharam relevância, mas o resultado foi a Primeira Guerra Mundial. As peças dominantes do xadrez global serão muitas e estarão espalhadas pelos quatro cantos do planeta. Velhos ímãs hegemônicos do capital e da mão de obra, os países ricos já não são vistos mais como eldorados. O sonho de se fazer riqueza está, principalmente, abaixo da Linha do Equador.

A crise econômica de 2008 e 2009 acelerou o processo de inversão de papéis. O apetite insaciável de mercados domésticos efervescentes, aliado ao enorme fôlego importador e exportador, transformou em adversários de peso do mundo industrializado os países em desenvolvimento. Profetas como Nouriel Roubini, apelidado de Dr. Apocalipse por ter adivinhado o estouro da bolha imobiliária norte-americana, e Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, avaliam que o movimento é irreversível e que seus reflexos serão tão nítidos daqui por diante quanto a supremacia dos países centrais foi no passado.

A nova ordem global terá o seu auge antes de 2020. Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PwC) prevê que as sete atuais candidatas à potência (China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia) serão, de fato, locomotivas e deixarão para trás o G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) em tamanho do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2050, as riquezas do primeiro grupo, hoje na segunda divisão mundial, serão o dobro do grupo que hoje predomina nas decisões econômicas e políticas. No futuro, China (US$ 59,4 trilhões) e Índia (US$ 43,1 trilhões) estarão no topo do ranking dos países mais ricos, à frente dos Estados Unidos (US$ 37,8 trilhões).

No caso brasileiro, as mudanças projetadas para 2050 são significativas. O país ocupará a quarta posição (US$ 9,7 trilhões) entre aqueles com maior poderio econômico, superando Japão (US$ 7,6 trilhões), Rússia (US$ 7,5 trilhões), México (US$ 6,6 trilhões), Indonésia (US$ 6,2 trilhões), Alemanha (US$ 5,7 trilhões) e Reino Unido (US$ 5,6 trilhões). Se as indicações levantadas pela PwC se confirmarem, a renda per capita no Brasil passará de US$ 10 mil por ano para US$ 40 mil nas próximas quatro décadas. Atualmente, o PIB nacional está estimado em US$ 2 trilhões.

Protagonismo
Para Marcos Troyjo, cientista político e professor visitante da Universidade de Sorbonne, na França, qualquer que seja o parâmetro para definir uma potência, os atuais países emergentes estarão na linha de frente. Do ponto de vista militar, o domínio da tecnologia nuclear está disseminado ; o clube inclui o Brasil. Do lado econômico, a taxa de crescimento das nações em desenvolvimento é o dobro da média mundial e o ingresso de novos consumidores no mercado é gigantesco. Em termos de valores, os emergentes não ficam atrás: China e Índia, principalmente, lideram o processo de acúmulo de conhecimento e de investimentos em novas tecnologias.

Ele ressalta, porém, que os Estados Unidos ainda terão papel relevante no contexto mundial, não apenas por causa de seu poderio militar, mas por ser uma economia dinâmica. Mas terão que aprender a dividir os holofotes, assim como os países da Europa Ocidental. O novo mapa do poder se refletirá, inclusive, no Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU), no qual a resistência à mudanças ainda é enorme.

Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do Banco Central, se os EUA e a Europa mantêm intocável o poder na ONU, é nítida a perda de relevância na Organização Mundial do Comércio (OMC). ;Nas disputas comerciais não prevalece mais a política do ;sim, senhor;. Agora, é a do olho no olho. E os emergentes têm conseguido vitórias importantes;, destaca. No seu entender, a hegemonia norte-americana ruiu, sobretudo, a partir do momento em que a China construiu um EUA como contraponto ; já são mais de 300 milhões de chineses com renda de Primeiro Mundo.

Sílvio Campos Neto, economista do Banco Schahin, reconhece que a densidade demográfica fará a diferença a favor dos emergentes. Juntos, esses países concentram cerca de 60% da população do planeta. Projeções da ONU indicam que os atuais 6,8 bilhões de habitantes da Terra serão 9 bilhões nas próximas quatro décadas. Esse salto será marcado por fluxos migratórios inéditos ; as oportunidades de trabalho não estarão mais no que se convencionou chamar de economias desenvolvidas ; e pela corrida desesperada para se garantir vida digna à população. ;Aquele cenário favorável dos primeiros anos do século 21 mudou radicalmente. E isso afeta o Brasil e aos demais emergentes, tanto em termos de crescimento interno quanto no comércio internacional;, resume o economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda.

Riquezas naturais
Não à toa, a missão da presidente Dilma Rousseff se agigantou. As condições estão dadas para o crescimento a taxas anuais de 5% ou 6%. É um objetivo perfeitamente factível pelos próximos 15 e 20 anos. E trunfos não faltam ao país. Ao contrário dos concorrentes diretos na corrida pelo topo do mundo, o Brasil dispõe de qualidades quase que imbatíveis, tanto para quem quer consolidar crescimento econômico de longo prazo com distribuição de renda, quanto para quem almeja ser visto como parceiro do meio ambiente e ter voz ativa nos fóruns internacionais.

Há água em abundância, a maior área agricultável do mundo, uma matriz energética limpa e ainda longe do esgotamento. O mercado consumidor brasileiro, que a cada seis anos produz uma Espanha disposta a comprar, também é uma carta na manga. Isso sem falar no pré-sal, terceira maior reserva de petróleo do mundo, o que coloca o Brasil entre os 10 principais produtores globais. Ou seja, como resume o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, para se chegar à vitória, bastará seguir à risca a lição de casa. Sem estripulias.