O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, está convencido de que o Brasil finalmente rompeu com o atraso e segue na direção correta para se tornar uma das maiores potências econômicas do mundo. A partir deste ano, e pelos próximos 20, o país viverá o que os economistas chamam de bônus produtivo ; a maioria da população terá entre 15 e 64 anos, estando apta, portanto, para construir as riquezas que sustentarão as futuras gerações. ;A vida valerá mais a pena ser vivida no Brasil. Seremos uma Nação melhor para trabalhar, formar família, educar os filhos e conviver com os amigos, na esperança de ascensão social;, diz.
Diante desse quadro, a presidente Dilma Rousseff assume o posto com a missão de não deixar escapar uma só das oportunidades que estão escancaradas para o Brasil. Na avaliação de Trabuco, o setor privado será o grande motor da economia. Mas o governo terá o papel relevante de coordenar as expectativas e, sobretudo, liderar os projetos de infraestrutura para a modernização do país. ;A infraestrutura brasileira está dimensionada para uma demanda e um tamanho de PIB (Produto Interno Bruto) completamente diferentes dos que estão contratados para o curto prazo;, afirma.
Todo esse quadro positivo só será realidade, contudo, com o controle da inflação, a responsabilidade fiscal e o câmbio flutuante. ;São os mais pobres os que mais se beneficiam do controle de preços. E o governo da presidente Dilma herdou um contigente de milhões de novos consumidores de todos os tipos de produtos e serviços. É uma classe média vigorosa que está se formando;, ressalta Trabuco.
Ele diz acreditar que o Brasil lidará bem com as dores do crescimento. ;Prefiro essas dores do que as da recessão. Será um privilégio para a nossa geração vivenciar esse salto brasileiro;, enfatiza. O presidente do Bradesco prega, porém, mudanças no sistema público de Previdência. E garante que os bancos estão preparados para conviver com juros reais (descontada a inflação) de 2% ao ano a partir de 2014, como promete Dilma Rousseff. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que Trabuco concedeu ao Correio, encerrando a série de reportagens iniciada há uma semana, que discutiu o que será o Brasil das próximas duas décadas.
O Brasil viverá, nos próximos 20 anos, o seu auge demográfico, com a população produtiva sendo a maioria dos habitantes. O que se pode esperar desse país?
Desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, um puxando o outro. Será um privilégio para a nossa geração vivenciar esse salto brasileiro. Com mais gente produzindo que inativos, teremos duas décadas de números e estatísticas inéditas. Traduzindo isso no que interessa às pessoas: a vida vai valer mais a pena de ser vivida no Brasil. Seremos uma Nação melhor para trabalhar, formar família, educar os filhos e conviver com os amigos, na esperança de ascensão social. Até agora, tivemos um forte processo de mobilidade social, com o ingresso de 30 milhões na faixa de consumo. Daqui por diante, teremos adicionado o fenômeno da janela demográfica. Num cenário de economia estabilizada e em crescimento, essa soma indica mais emprego, renda e consumo. Em síntese, mais qualidade de vida. Esse processo de mais renda e melhores oportunidades de emprego rende fruto em seu conjunto, inclusive para as contas da Previdência Social.
A presidente Dilma Rousseff aposta em um Estado forte. Mas o motor da economia é o setor privado. O senhor acredita na volta do governo-empresário? Que impacto isso pode ter no setor rodutivo e no futuro do país?
O Brasil precisa de todos. Não há contradição. Precisamos do Estado e do setor privado, convivendo no sentido do crescimento com um olhar no social. O exemplo prático disso aconteceu na última crise mundial. As exigências levaram ao aumento da participação do governo na economia. Foi importante como contraponto, criar um ambiente anticíclico. Com essa atitude, nos diferenciamos do contexto global. Entramos agora em outra fase. Acredito que o governo tem sinalizado com atos e palavras. Com o ambiente de confiança, poderá voltar ao seu eixo natural. O setor privado reconquista o seu espaço, investindo em novos projetos, sendo aí o motor do crescimento. Nós, bancos privados, públicos e estrangeiros, temos o mesmo papel, o de parceiros do desenvolvimento. Viabilizamos os recursos para o investimento das empresas e o consumo das famílias. O Estado tem foco na coordenação das grandes obras de modernização e ampliação da infraestrutura. Há tarefas gigantescas tanto para o setor público quanto para o privado.
O setor financeiro sempre é apontado como vilão por seus lucros espetaculares, graças, sobretudo, às maiores taxas de juros do mundo. Os bancos brasileiros estão preparados para conviver com juros mais baixos, com taxa real de 2% ao ano como promete a presidente para 2014?
A lucratividade do setor acompanha a melhora geral da economia. Quando a estabilidade econômica colocou as coisas nos eixos, houve aumento da concorrência e mais regulação da atividade. Isso quer dizer que os bancos trataram de se tornar mais eficientes e ganhar com o aumento do volume dos negócios. A curva do juro é descendente há anos e mantivemos a performance. Isso se explica um pouco pela consolidação pela qual passou o setor, mas principalmente pela mobilidade social. A ascensão social das classes D e E formou uma classe média que se incorporou ao universo de clientes bancários. Em 2000, havia 63 milhões de contas correntes no Brasil. Hoje, são mais de 100 milhões. Um salto expressivo. O ciclo econômico que vivemos recuperou negócios tipicamente bancários que estavam em desuso. O crédito para a compra de carros e da casa própria voltou, com alongamento de prazos e controle de risco. Ter lucro não torna ninguém um vilão, é resultado de trabalho e decisões estratégicas acertadas. Apoiamos sem restrições a intenção declarada do governo de reduzir o juro real. Estamos preparados para isso. Vai ser bom, pois ampliará o volume de crédito.
As perspectivas são de que, nas próximas duas décadas, o número de correntistas bancários dobre. Como se dará esse processo? Que tipos de serviços os ancos oferecerão?
Essa é a situação e os bancos sabem disso. Nosso desafio é conhecer essas pessoas que estão chegando, seus valores, descobrir os interesses e demandas. Queremos não só conquistá-las, mas mantê-las conosco. Estamos nos instalando em grandes comunidades desprovidas de banco.
Junto com o auge produtivo da população, virá um Brasil mais velho. O senhor acredita em uma reforma da Previdência que ampare, de forma digna, as futuras gerações? Como o sistema financeiro contribuirá para oferecer segurança aos trabalhadores depois da aposentadoria?
A questão da Previdência pública é uma questão de direitos. As pessoas trabalham e contribuem para, na aposentadoria, garantir uma vida digna. O problema é universal. De tempos em tempos, os países precisam reformar seus modelos de cálculo, pois a conta não bate. A população vive mais, a medicina avança e chega um momento em que há mais pessoas recebendo benefícios do que contribuindo. Trava-se então uma espécie de corrida. Sou otimista, vamos construir algo que seja justo. O Brasil tem essa janela demográfica que ajuda. São mais pessoas contribuindo do que recebendo benefícios. É preciso pensar numa nova Previdência escolhendo o caminho mais fácil, não mexendo, por exemplo, em direitos adquiridos. Não acredito em privatização da Previdência. É preciso uma Previdência Social, mas que se complementa com uma previdência privada individual ou entre patrões e empregados.
O que, na sua avaliação, é preciso fazer para que a mobilidade social vivida pelo Brasil ; a classe média incorporou uma Espanha nos últimos seis anos ; não seja interrompida? O Brasil realmente se tornará um país desenvolvido, com menos disparidades sociais?
Manter a estabilidade econômica como valor fundamental da agenda de todos os brasileiros é o primeiro passo. Os maiores beneficiários da inflação baixa são os mais pobres. A aposta no crescimento econômico é virtuosa. Entre estabilidade e crescimento, devemos ficar com os dois. É um processo complexo e difícil, pode enviar sinais trocados pelas limitações econômicas e administração da escassez. Mas não podemos pensar de outra forma. A meta de inflação deve ser cumprida. Compatibilizar o crescimento e programas de transferência de renda é crucial.
As dores do crescimento são visíveis, a ponto de o país se ressentir de mão de obra qualificada. É possível fazer uma revolução na educação? Qual o caminho a ser seguido pelo país?
As dores do crescimento são como dores do parto, em seguida vêm alegrias. Prefiro essas às da recessão, que são as dores da perda. Há um déficit na formação educacional e de qualificação profissional da população. Do ponto de vista da economia, puxa para baixo a produtividade, e tolhe a iniciativa individual e a criatividade. Por um bom tempo, o jovem se formava e não tinha emprego para ele. Hoje, falta mão de obra qualificada. Vivemos um novo cenário, estimulante, dinâmico. Porém, não há milagre. As grandes empresas resolvem o problema investindo com intensidade em programas de treinamento. O setor público também está fazendo o mesmo. O conflito é o tempo. Precisamos para já, mas a qualificação profissional leva tempo.
A presidente promete priorizar os investimentos em infra-estrutura. De que forma o sistema financeiro vai viabilizar as obras para tirar o atraso dos portos, aeroportos, rodovias, ferrovias?
A infraestrutura brasileira está dimensionada para uma demanda e um tamanho de PIB completamente diferentes das que estão contratadas para o curto prazo. A prioridade aos investimentos é absolutamente correta. O governo da presidente Dilma herdou um contingente de milhões de novos consumidores de todo tipo de produto e serviço. É uma classe média vigorosa que está se formando. A opção das parcerias público-privadas, sem fórmulas mágicas, é excelente. Uma das principais vocações do sistema financeiro é unir os elos da economia, juntar interesses que estão espalhados, fazer a convergência entre investidores e tomadores de crédito. Gosto de lembrar que o Brasil sempre teve energia abundante, recursos minerais e espaço territorial de sobra. Agora, tem também estabilidade econômica e a formação de uma classe média de milhões de pessoas e o surgimento de milhares de novos empreendedores. Com democracia e instituições fortes, esse país nos dá confiança.