Jornal Correio Braziliense

Economia

Para Delfim Netto, passaporte para desenvolvimento é o petróleo do pré-sal

Confira a entrevista com o ex-ministro da Fazenda

Maestro da política econômica no período recente em que a economia brasileira mais cresceu, o milagre econômico dos anos 1970, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto agora olha para o futuro. Principal conselheiro econômico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) está mais do que otimista em relação à expectativa de o Brasil entrar, enfim, no clube dos países mais ricos.

;O caminho está aberto para que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça mais de 5% e próximo de 6%, anualmente, por toda a década, e continuar de forma robusta por 25 ou 30 anos. Sem maiores turbulências;, aposta. Tanta certeza vem da superação das dificuldades em duas áreas cruciais, que interromperam a trajetória em outras ocasiões: o fornecimento de energia e o financiamento externo.

Na visão de Delfim, o passaporte para o mundo desenvolvido é o petróleo do pré-sal. Mas, para chegar lá, o governo deve estimular investimentos privados em infraestrutura, diminuir o ritmo de expansão das despesas públicas e reduzir a taxa real de juros a 2% ou 3% por ano, ensina o economista. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.


O Brasil tirou tudo o que poderia do cenário global favorável até o surgimento da crise econômica?
Até 2008, o Brasil se beneficiou de ventos favoráveis vindos do exterior, com o crescimento da economia mundial e o aumento das transações comerciais. Embora não tenhamos praticado uma política de comércio exterior capaz de tirar proveito de todo esse crescimento, recebemos o bônus da valorização dos produtos agrícolas e dos minerais. Mesmo sem ter reduzido os juros ao nível necessário para evitar a sobrevalorização do real, a combinação de preço e quantidade dos produtos minerais e da agropecuária garantiu uma balança comercial positiva e o acúmulo de reservas suficiente para acabar com o problema da dívida externa.

Como o país pode aproveitar esse momento único em que a maior parte da população entra em idade produtiva?

Dominamos a tecnologia que viabiliza a exploração dessa riqueza enorme que são as reservas de petróleo do pré-sal. Essa é uma janela de oportunidades para a jovem população que começa a entrar no mercado de trabalho. A extração do óleo e do gás vai exigir muito trabalho e enorme volume de recursos. Não há dúvida sobre a viabilidade dos investimentos, mas o grosso do retorno só vai maturar lá por 2017. O importante do pré-sal é que ele afasta a ameaça das crises que no passado abortaram o processo de desenvolvimento brasileiro: o estrangulamento na oferta de energia e as interrupções do financiamento externo, crises derivadas da dependência das importações de petróleo.

Os entraves energéticos para o crescimento estão superados?

O Brasil deu um outro grande passo no governo Lula ao quebrar as resistências à construção de hidrelétricas na Região Amazônica, iniciando o processo de reconstituição da matriz energética de fontes renováveis estupidamente interrompido há duas décadas.

Que problemas estão no horizonte?

Como em todo processo de desenvolvimento, há problemas que se renovam e precisam ser enfrentados desde agora para não comprometer as gerações futuras. Em 2030, nós seremos 216 milhões de habitantes e teremos que oferecer trabalho de boa qualidade para 150 milhões de homens e mulheres entre 16 e 65 anos. Quem pode oferecer esses empregos é o setor industrial, complementado pelos serviços. Não podemos continuar na dependência só da exportação de produtos agrícolas e minerais.

Qual deve ser o papel do Estado?

Ele deve ser indutor do desenvolvimento. Os governos não podem abrir mão da estabilidade monetária, devem manter vigilância constante para que as despesas de custeio cresçam sempre menos que o PIB e reduzir paulatinamente a relação dívida pública/PIB. Com isso, estarão dando a um Banco Central autônomo a musculatura para participar do objetivo de reduzir a taxa real de juros interna aos níveis da praticada no exterior, algo como 2% ou 3% reais ao ano, sem perder as condições de controle da inflação. Os governos não podem continuar errando na sustentação de uma taxa de juros vexaminosa, como se a economia brasileira tivesse sido vítima de uma deformidade sem retorno.

O que faz um Estado indutor?

Estado indutor significa estimular os investimentos privados e manter um comportamento amigável em relação aos setores produtivos de modo a cooptar empreendedores para participar do esforço de construção e reconstrução da infraestrutura física do país, notadamente nas áreas de transportes, onde já existe estrangulamento da atividade econômica. Deve incentivar também a participação em programas de expansão da oferta de energia e de aumento da capacidade logística no interior do país.

Quais as amarras que podem impedir a entrada no clube de nações desenvolvidas?

Impedimento, na realidade, eu não vejo. Nem mesmo as crises externas daqui em diante, por causa da superação das restrições energéticas e de balanço de pagamentos. Na crise atual, o governo Lula deu uma enorme demonstração de clarividência. Teve a intuição que faltou ao resto do mundo e acertou na mosca: de nada adianta acudir o sistema financeiro se não salvar o emprego e o mercado consumidor. O correto para salvar a economia era manter o trabalhador no emprego e consumindo e não entupir o caixa dos bancos.

Qual a perspectiva de crescimento do Brasil?
O desenvolvimento é um processo em que se resolve um problema e se criam dois. A perspectiva de crescimento é muito favorável porque removemos as duas restrições de que falei. O caminho está aberto para que o PIB cresça mais de 5% e próximo de 6%, anualmente, por toda a década, e continuar de forma robusta por 25 ou 30 anos. Sem maiores turbulências. Vejo com enorme otimismo o modo como a presidente Dilma Rousseff organizou o núcleo da sua equipe e, mais ainda, pelas diretrizes enunciadas que demonstram a noção clara das necessidades do Brasil e dos nossos limites.