Os brasileiros devem preparar seus bolsos desde já. No próximo ano, os preços dos alimentos continuarão a subir, pressionando os índices de inflação. Para especialistas, os episódios de extremos climáticos que atingem o planeta ; com secas prolongadas, invernos rigorosos e chuvas torrenciais ; tornam a agricultura imprevisível. Esse fenômeno, a crescente demanda dos países asiáticos, em especial da China, e a especulação no mercado de commodities (produtos básicos com cotação internacional) têm feito disparar o preço dos grãos, base de vários produtos e da ração animal, e das carnes, principalmente a bovina.
O governo, no entanto, ainda acha cedo para dar como certo o aumento do custo dos alimentos em 2011. De acordo com o Ministério da Agricultura, os preços em alta estimulam os produtores a cuidar melhor de suas lavouras, ampliando o volume colhido. ;Estamos acompanhando a situação e, neste momento, ainda não é motivo de preocupação;, garante José Maria dos Anjos, diretor de Comercialização e Abastecimento Agrícola e Pecuário.
Ele ressalta que os estoques de alimentos-chave no Brasil, como arroz, milho e soja, estão adequados e permitirão às autoridades fazer uma gestão ativa em caso de disparada de preços. Uma situação diferente do feijão, que tirou o orçamento de muita dona de casa do eixo ao longo deste ano. ;O feijão tem um comportamento mais parecido com os hortigranjeiros. A colheita é feita apenas três meses após o plantio e qualquer mudança climática ou nas cotações do produto tem efeito imediato na produção;, explica o diretor.
Safras
Estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (Fao), porém, avalia que a alta de preços dos alimentos ; a maior em dois anos ; tem tudo para continuar em 2011. De acordo com a instituição, o mundo terá que conviver ainda com uma inflação crescente e com o alto custo dos produtos agrícolas. Para a Fao, os preços de alimentos devem registrar uma elevação de até 20% no próximo ano diante de safras abaixo do esperado e da especulação em torno das commodities.
;Consumidores, hoje, não têm outra alternativa senão a de pagar mais pelos alimentos. O tamanho da safra em 2011 está se tornando cada vez mais crítico. Para que os estoques sejam refeitos e para que os preços voltem à normalidade, uma expansão importante da produção será necessária;, alertou a Fao. Para a entidade, ;os países precisam continuar vigilantes sobre seus estoques;. Neste ano, a balança comercial de 70 países já foi afetada negativamente pelos produtos agrícolas.
Não é para menos. Nos últimos meses, os preços do milho e do trigo subiram 40%. O açúcar está registrando as maiores cotações em 30 anos e o algodão, em 140 anos. Carne e pescado também custam hoje mais do que em 2009. Isso acaba se refletindo nos índices de inflação em todo o mundo. No conjunto dos países mais desenvolvidos, que se agrupam na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inflação ao consumidor era de 1,9% até outubro. Considerando apenas a variação dos alimentos, ela chega a 2,6%.
Pior mesmo para os emergentes. Na China, o custo de vida para o consumidor aumentou 3,2% até agosto. Levando em conta apenas a carestia dos alimentos, a alta foi de 7,7%. Fenômeno parecido ocorre na Rússia, onde o índice geral foi de 7,5% até outubro e a inflação dos itens alimentícios, de 10%. No Brasil, segundo a OCDE, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 5,2% no período, enquanto a comida subiu 7,5%.
Escassez
O sócio da MB Agro, José Carlos Hausknecht, lembra que os preços dos alimentos mudaram de patamar desde 2007, quando houve uma escassez generalizada de produtos, induzida pelo aumento do consumo na China e pela maior utilização do milho na produção de biocombustíveis nos Estados Unidos. ;Hoje, a alta dos preços tem ocorrido por problemas mais pontuais, como a quebra da safra da Rússia e dos Estados Unidos e pelos efeitos climáticos de La Niña sobre a produção do Brasil e da Argentina;, explica.
Hausknecht diz que, se o fenômeno La Niña continuar atuando, haverá uma pressão sobre o preço dos alimentos até o segundo semestre de 2011, quando entra no mercado a safra do Hemisfério Norte. ;Esse é o cenário que está desenhado agora, mantidas as condições atuais;, afirma. O diretor técnico da AgraFNP, José Vicente Ferraz, concorda com a avaliação. ;As pressões inflacionárias sobre os alimentos em todo o mundo continuam muito fortes, tanto para grãos como para carnes e leite;, diz. A situação do mercado de carnes é ainda mais preocupante. Ferraz ressalta que, em 2005 e 2006, com a queda dos preços, muitos criadores de gado abateram algumas matrizes.
Depois, com a reação das cotações, o rebanho começou a ser reconstituído, até que veio a crise de 2008 e 2009, interrompendo o processo. ;Hoje, há escassez de bovinos em todo o mundo e isso está se refletindo nas cotações do produto;, analisa. ;Essa situação ainda tende a se manter por todo o ano de 2011.; Segundo Ferraz, a alta no preço do bovino tende a puxar para cima a cotação das demais carnes. ;Esse é um fenômeno que comprovamos analisando os preços históricos das carnes bovina, suína e de frango. Quando a cotação do boi sobe, as demais acompanham, pressionadas pela migração dos consumidores.;