;O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.; A frase do poeta carioca Vinicius de Moraes ilustra a paixão de muitos por essa bebida centenária nascida na Escócia, mas que ganhou o mundo. O sucesso no país também é imenso, e os admiradores brasileiros podem agora aprofundar seus conhecimentos com o lançamento do Guia Ilustrado do Whisky (Zahar), escrito por uma das maiores sumidades no assunto, o escocês Charles MacLean.
Para o autor, existe um sabor de uísque para cada ocasião. ;Eu avalio cerca de mil amostras de uísque por ano e acho impossível escolher a melhor. É o mesmo que pedir para o sommelier apontar qual é seu vinho preferido;, afirma ao Correio o especialista, que foi distinguido com o prêmio Keeper of the quaich (Guardião da taça, em inglês), concedido pela indústria uisqueira aos maiores especialistas na bebida em todo o mundo.
A comparação com os vinhos não fica apenas na multiplicidade de sabores. Ao redor do mundo existem diferentes tipos (veja quadro), fabricados a partir da fermentação do milho, do centeio, da cevada e do trigo. Depois de o cereal ser fermentado com levedura, chega-se ao mosto, um caldo escuro. Os tipos de cereais utilizados e a quantidade de cada mosto misturado na receita final é um dos diferenciais de cada tipo de uísque.
Antes de a bebida ficar pronta, o mosto ainda é destilado e filtrado, e mantido em barris de carvalho. Dependendo do tipo de bebida que se pretende produzir, o prazo de permanência nesses recipientes é de dois ou três anos, para as bebidas jovens, ou até 30 anos, para as bebidas envelhecidas. O tipo de carvalho utilizado no barril é o segundo aspecto mais importante para a fabricação do uísque e desempenha um papel tão relevante no sabor final que é considerado um dos ingredientes da bebida. ;Não se trata apenas da madeira do carvalho usado, mas também do tamanho dos barris, do tipo e da temperatura dos armazéns e do tempo de maturação;, explica MacLean.
Engana-se quem pensa que uísque é coisa apenas de escoceses. É bem verdade que eles são os principais mestres na produção da bebida, desenvolvida a partir de 1494, quando a família irlandesa MacBeath desembarcou na região levando o conhecimento sobre a destilação de cereais. Mas outras regiões do mundo já possuem produção própria, com sabores diferentes e muito apreciados mundo afora. ;Nos Estados Unidos e no Japão, desenvolveram-se variantes melhores da levedura utilizada na fermentação do que em outras regiões;, conta MacLean. ;O ambiente quente dos EUA ou da Ásia produz bebidas diferentes do frio da Europa e Canadá;, completa.
Na opinião do especialista, estamos vivendo a idade de ouro do uísque. ;Nunca na história houve tanta opção de maltes novos e envelhecidos. Estima-se que mais de 500 novos uísques tenham sidos lançados em 2010. Em 1990, havia apenas 250 marcas disponíveis. Isso mostra como o mercado decolou em todo o mundo;, aponta o escocês.
Ele, porém, faz um alerta: quem quer aproveitar os uísques envelhecidos que fazem sucesso hoje deve correr. ;A disponibilidade da bebida envelhecida vem do excesso de produção durante o fim dos anos 1970. Produzidos na época, eles foram envelhecidos e estão sendo consumidos agora. No entanto, uma vez que esses uísques forem bebidos, eles terão acabado para sempre.;
Segundo o importador de bebidas Ciro Torres Júnior, o uísque há muito tempo caiu no gosto dos brasilienses. ;Por não se tratar de uma bebida que acompanha a comida, o consumo é constante o ano todo. No entanto, as vendas nos últimos três meses do ano costumam ser mais altas;, informa. ;Isso acontece especialmente por causa das festas de fim de ano. Ainda temos uma tradição muito forte de presentear os amigos com garrafas de uísque, que são consumidas aos poucos, ao longo do ano;, conta.
Ciro diz ainda que a variante preferida dos brasilienses muda de tempos em tempos. ;Atualmente, o Red Label e o Black Label são os mais consumidos. No passado, esse cargo já foi do Ballantines e do White Horse;, revela. ;Brasília tem ainda uma particularidade. Diferentemente do resto do país, aqui a linha Chivas Regal tem muito espaço, principalmente os envelhecidos 12 anos;, acrescenta.
Apreciação
Mesmo com um teor alcoólico que passa dos 40%, podendo chegar a 50% do volume, os apreciadores garantem que não se trata de uma bebida forte. ;Ao consumir cerveja, bebe-se muito, então mesmo com o baixo teor alcoólico, fica-se bêbado rapidamente. O uísque não. Ele é feito para ser apreciado lentamente, com gelo, e isso faz com que bebamos pouco, sem nos embriagar excessivamente;, garante o advogado brasiliense José Alberto Araújo, 39 anos, que se reúne quinzenalmente com os amigos do Clube do Whisky.
Outro aspecto que garante a suavidade da bebida é a água. ;Além do gelo, costumo tomar água enquanto consumo uísque. Assim, aproveito o melhor da bebida o tempo todo, já que fico com o paladar sempre limpo para sentir o leque de sabores;, conta José Alberto. ;Para os que acham que tomar uísque é caro, basta fazer as contas. Durante uma noite toda, dá para consumir duas, no máximo três doses. Mesmo que individualmente a dose seja mais cara que a de outras bebidas, o fato de tomarmos uma pequena quantidade faz ela ficar mais barata;, compara.
Outra questão importante é que nem sempre um preço maior significa mais qualidade. ;Blends tendem a ser mais baratos do que os maltes. Menciono o Black Label: prefiro ele ao Blue Label, que é muito mais caro, ou ao Red Label, que é bem mais barato. Tudo é uma questão de gosto pessoal e da ocasião de consumo;, afirma o escocês MacLean. ;Na Escócia, temos um ditado: ;Não existem uísques ruins, há apenas uísques bons e uísques melhores;;, conclui.
Puro e misturado
De forma geral, existem dois tipos básicos de uísque. No sigle malt, toda a bebida vem de apenas uma destilaria. Independentemente da origem, trata-se de um uísque mais puro e de sabor mais intenso. Já no tipo blended, bem mais comum, são misturados uísques de várias idades e origens. A ideia é produzir uma bebida com diversos sabores, que combinem o melhor de cada uma das variantes que estão presentes na garrafa.
Cowboy ou on the rocks?
O ato de consumir uísque com gelo não é uma unanimidade. A consumo ;on the rocks;, como é conhecido, é mais comum nos EUA e na Ásia, onde o calor é mais intenso. Na Europa, especialmente na Escócia, em geral se consome o uísque sem o gelo, que mantém o sabor mais forte, daí o nome ;cowboy;. Mesmo nas regiões mais quentes, o gelo é desaconselhado para as bebidas sigle malt, e estimulado para as variantes blend, já que ajudam a ressaltar os diversos sabores dos uísques misturados na garrafa.
Confira o papel que cada ingrediente desempenha na qualidade final do uísque
Leveduras
Organismos multicelulares, alimentam-se do açúcar dos grãos, produzindo álcool e gás carbônico. Nos últimos anos, o ingrediente passou a ter mais importância, e as destilarias passaram a produzir linhagens próprias para suas bebidas.
Água
Em geral, a chamada água macia, que possui poucos minerais em sua composição, é a mais indicada para a produção de uísque, por ser mais solvente que a água com concentração maior de minerais. A água macia possibilita que a levedura aja com mais vigor.
Madeira
Item mais importante na fabricação do uísque depois dos grãos. Os barrís onde o uísque é envelhecido, em geral feitos de carvalho, conferem um sabor mais encorpado à bebida.
Cereais
Cevada ; Incluída nas receitas da maioria dos uísques multigrãos. Único cereal a ser utilizado isoladamente, especialmente nos uísques escoceses e irlandeses. Confere um sabor mais maltado, semelhante ao de um biscoito.
Trigo ; Muito utilizado na Escócia e na Irlanda misturado à cevada. Confere um sabor mais doce e muitas vezes serve para equilibrar o sabor forte de outros grãos.
Milho ; Mais difundido entre as bebidas americanas e canadenses. É responsável pela maior produtividade de bebida por tonelada, entre os cereais mais utilizados. Traz um sabor mais encorpado e oleoso ao uísque.
Centeio ; Também é mais comum nos uísques do novo dos Estados Unidos e do Canadá. Quando predominante na fabricação, resulta na variedade Rye Whisky.
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