Estados Unidos e China, as duas nações protagonistas da atual guerra cambial mundial, enfrentaram-se novamente ontem na reunião do G-20 sem, no entanto, caminhar para uma solução definitiva para o desequilíbrio criado nas cotações das moedas ao redor do mundo. Os EUA partiram para o ataque nas palavras do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, apoiado pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano), Ben Bernanke, e propuseram uma limitação para os desequilíbrios na conta corrente - o fluxo de dinheiro para o pagamento de produtos e serviços, além das transações comerciais - dos países que compõem o bloco. Mas sem se manifestar publicamente, a China mostrou-se duramente contrária a qualquer controle sobre as transações externas ou nas normas cambiais.
Apesar da persistência norte-americana, a iniciativa foi recebida sem entusiasmo por outros países e encontrou resistência, principalmente, entre os emergentes. "A proposta é absolutamente utópica. Literalmente, para chinês ver", considerou o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. Para ele, a intervenção norte-americana serviu mais à estratégia de retirar do foco da discussão a política de expansão realizada pelos EUA do que ao desejo de chegar a algum acordo. "Há dois grandes vilões nessa história: os Estados Unidos e a China. E o que os norte-americanos pretendem agora é colocar um guizo nos chineses, chamando a atenção para a política cambial deles", comentou.
Defensiva
Geithner afirmou que "os países de mercado emergente do G-20 com moedas significativamente subvalorizadas e reservas de precaução precisam permitir que suas taxas de câmbio se ajustem totalmente ao longo do tempo, a níveis consistentes com os fundamentos econômicos." Os Estados Unidos acusam o país asiático de manter artificialmente a sua moeda desvalorizada para garantir a competitividade de suas exportações. Ao propor uma limitação nos excessos de superavit ou deficit corrente, indiretamente os norte-americanos também sugerem que a China reduza suas vendas para o exterior. Dessa forma, também retiram do centro do debate a responsabilidade que detêm ao deixar os juros entre zero e 0,25% e injetarem mais dólares na economia - fato responsável por inundar os países emergentes com dólares e, consequentemente, estimular medidas protecionistas dessas nações.
O Brasil é uma das economias que tentam se proteger desse excedente monetário. Mesmo defendendo uma solução coordenada, com menor efeito negativo sobre os países envolvidos, o governo reforçou durante o mês de outubro as defesas contra a enxurrada de divisas. A principal delas foi o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de capitais em investimentos de renda fixa e sobre as garantias de operações derivativas, aquelas que apostam na variação do dólar.
Apesar de ter interrompido a queda livre da moeda norte-americana em relação ao real, as ações não convenceram a maior parte do mercado. "O IOF corresponde a uma tentativa imperfeita de obstruir apenas uma das portas. Os fluxos de entrada de recursos para o mercado acionário têm se mantido abundantes e, em setembro, foram particularmente favorecidos pela operação de capitalização da Petrobras", afirmou Maurício Molan, economista do Santander.
As chances de que um acordo nos termos apresentados seja adotado são muito pequenas, uma vez que atualmente o G-20 abriga países com situações econômicas bastante distintas. "Acho que nem o Geithner nem ninguém nos Estados Unidos acredita que seja possível fechar esse trato. Há nações com deflação e crescimento estagnado ao mesmo tempo que tem economias aquecidas, com pressão inflacionária", ponderou Leal.
Pausa frustrada
No primeiro dia da reunião do G-20, o mercado de ações norte-americano fez uma pausa nas negociações para acompanhar o fim da reunião. Com a ausência de indicadores econômicos que influenciassem na movimentação do dia, as decisões da cúpula econômica viraram o centro das atenções. A sexta-feira em Wall Street foi calma, após uma semana intensa em divulgações trimestrais das empresas. "Todos querem saber que tipo de comunicado sairá do G-20", comentou um analista.
Objetivos opostos
A difícil recuperação da economia global no pós-crise transformou o G-20, fórum criado para estimular a unidade entre os países desenvolvidos e os emergentes, em um palco de discórdias, incluindo manifestantes. Os interesses opostos defendidos pelas nações ameaçam a possibilidade de entendimento em relação às melhores práticas a serem seguidas a partir de agora - em um contexto no qual os mercados financeiros ficaram fragilizados - e aumentam o risco de uma corrida protecionista.
Enquanto os Estados Unidos seguram sua taxa de juros no chão e colocam mais dinheiro em circulação, a China mantém-se relutante em relação ao iuan. Longe de qualquer chance de uma solução coordenada, outras economias também procuram resolver sua situação interna. No caso do Brasil, a solução encontrada foi a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para barrar o capital especulativo. Entretanto, além da pouca eficácia em relação à taxa de câmbio, a medida pode trazer o efeito colateral da redução do fluxo de capitais de longo prazo, recursos cobiçados pelo governo.
Facada
Os grupos de private equity - fundos de investimento direcionados a empresas de capital fechado com potencial de migração para o mercado de ações - acreditam que o IOF maior pune todos os investidores em renda fixa de forma indiscriminada. A medida foi recebida como "uma facada", disse o vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), Luiz Eugênio Figueiredo.
Resultado duvidoso
A proposta de estabelecer metas para as transações externas do G-20 tem poucas chances de sucesso, não apenas pela grande distância econômica entre os países do bloco, aprofundada após a crise internacional, mas também pela dificuldade de se controlar o fluxo de divisas, independentemente da situação dessas nações. Como o resultado da conta corrente inclui todas as trocas comerciais e financeiras, para ser eficaz a medida teria que influenciar questões como viagens e remessas de lucros obtidos das filiais para as matrizes de multinacionais.
Criar um mecanismo que consiga atingir todos esses pontos é impossível, diz o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. "Qualquer governo pode adotar medidas para estimular as exportações ou restringir importações, equilibrando o resultado externo pela influência da balança comercial. Mas como proibir as pessoas de viajar? Como vai impedir a remessa de lucros?"
Durante a crise, as remessas e dividendos do Brasil para o exterior foram a salvação de várias empresas com sede lá fora, já que o mercado interno continuou aquecido. Entre 2008 e agosto deste ano, o envio de rendimento chegou a US$ 78,2 bilhões e, em quatro anos (até 2011), deve totalizar US$ 127 bilhões, prevê o Banco Central. O dólar baixo em relação ao real, por sua vez, tem um duplo efeito negativo no balanço externo. Primeiro, prejudica a balança comercial ao dificultar as exportações e aumentar as importações. Depois, estimula os brasileiros a fazerem mais viagens internacionais.