A intensa desvalorização do dólar que atormenta o mundo é apenas a parte mais visível de um problema criado pelas medidas governamentais adotadas em 2008 para enfrentar a crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. Com várias instituições financeiras ameaçando quebrar, a inadimplência crescendo, o desemprego disparando e a produção estancada, quase todos os países injetaram recursos na economia e reduziram para próximo de zero as taxas de juros, um afrouxamento sem precedentes nas políticas monetárias. E mais: criaram linhas de crédito especiais tanto para as empresas quanto para os consumidores.
O que era para ser um reativador da economia transformou-se, porém, em uma grande confusão, com estragos por todo o planeta, sem que nenhuma autoridade seja capaz de apresentar propostas concretas para arrumar a casa. O resumo do caos é o seguinte: apesar do excesso de dinheiro em circulação na economia ; especialmente, nos Estados Unidos, onde o governo está emitindo dólares a rodo ;, os bancos dos países mais ricos do mundo não se entusiasmam em emprestar, pois o risco de calote é grande, já que o desemprego nos EUA, na Europa e no Japão estão em níveis recorde. Com o crédito restrito, o consumo e a produção não deslancham e as economias continuam estagnadas.
Mas não é só: com os caixas abarrotados, os bancos norte-americanos, japoneses e europeus passaram a financiar especuladores, que tomam dinheiro a um custo muito baixo e aplicam os recursos em países como o Brasil, onde as taxas de juros se mantiveram nas alturas (10,75% ao ano). A enxurrada de dólares atrás desse ganho fácil está induzindo o real a uma supervalorização, assim como se vê em outros países de economia emergente. Com as divisas em alta, produtos de várias nações estão perdendo a competitividade no mercado internacional e uma onda de protecionismo (barreiras comerciais) está se espalhando mundo afora. Para completar o nó, a China se recusa a desvalorizar o iuan, fazendo com que seus produtos roubem espaço dos concorrentes, detonando uma guerra cambial. ;O mundo se meteu em uma grande enrascada;, disse um técnico do Banco Central brasileiro.
Fraqueza
A gravidade dessas distorções se traduziu, mais uma vez, ontem, na desvalorização do dólar frente ao real. A moeda norte-americana terminou o dia cotada a R$ 1,666 para venda, com queda de 0,12%. ;Esse fenômeno não está acontecendo exclusivamente no Brasil;, explicou o economista José Júlio Senna, sócio da MCM Consultores e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central. ;É preciso observar que o dólar está caindo no mundo todo. Portanto, a fraqueza não está no real.;
Em estudo, Senna observou que, desde a implantação do Plano Real, há 16 anos, apenas em um período de seis meses ; na campanha eleitoral de 2002 ; o comportamento da moeda nacional frente ao dólar se descolou da tendência mundial. ;Naquela ocasião, o dólar caía em todo o mundo, mas, no Brasil, acabou valorizando-se pelo receio dos investidores em relação à eleição de Lula.;
Como um fenômeno mundial, o economista afirmou que não há muito a ser feito pelo BC brasileiro. ;Estamos a reboque de um acontecimento mundial.; Para ele, é importante acompanhar o que faz o Banco Central norte-americano, o Federal Reserve (Fed). ;O dólar hoje está fraco porque o Fed afrouxou a política monetária. E a situação piorou porque há cerca de dois meses as autoridades dos EUA declararam que poderia haver um afrouxamento ainda maior. Com isso, não há o que segure o dólar;, observou. A seu ver, hoje cabe ao mundo indagar se está havendo um excesso de atividade dos bancos centrais. ;Se os BCs atuassem menos, não teríamos uma economia mais equilibrada?;, questionou.
Terreno
Uma forma de tentar reverter o quadro fúnebre seria o aumento das taxas de juros nas economias desenvolvidas. Mas, com a atividade fragilizada, nenhum governo sinaliza ir caminhar por aí. O jeito, então, será a adoção de algumas medidas para ajudar o setor exportador a não perder terreno no comércio internacional, acredita o economista-chefe do Banco Pine, Marco Antonio Maciel. ;Todas (as iniciativas) no sentido de melhorar a eficiência, como a desonerações nos setores tributário e trabalhista. Não podemos combater o câmbio chinês ; que está artificialmente desvalorizado em relação ao dólar ;, mas podemos reduzir os custos para o exportador;, assinalou.
Para Senna, o governo colaboraria com o setor exportador investindo pesadamente na melhoria da infraestrutura. ;Se gastasse menos, poderia usar recursos para consertar as estradas, expandir as ferrovias e ampliar os portos, o que reduziria os gastos com frete e o custo final do produto;, observou. Enquanto suas sugestões não se concretizam, a indústria brasileira enfrenta a concorrência das mercadorias chinesas, que ganham mercados que tradicionalmente compravam produtos brasileiros, como os países da América Latina e da África. Além de a China ter um custo de produção mais baixo, sua política cambial atrela o iuan ao dólar em uma relação pouco flexível. Assim, quando o dólar cai, a moeda chinesa vai junto, beneficiando as exportações e prejudicando parceiros no comércio internacional.
Moeda chinesa tinge máxima
O iuan atingiu ontem o maior patamar frente ao dólar desde a valorização de julho de 2005, depois que a pressão sobre a China por uma moeda mais forte foi ofuscada por nova rodada de fraqueza da divisa norte-americana ; no fechamento do dia, foi cotada a 6,6610 iuans. A moeda chinesa subiu mais de 2% desde agosto, com a pressão de Estados Unidos e outros países para que a China deixe sua moeda valorizar-se de modo
a ajudar a enfrentar os desequilíbrios globais.
Brasil também desacelera
Números da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirmam a desaceleração do crescimento nos países desenvolvidos e mostram que a recuperação americana já pode estar atingindo um limite. O índice de indicadores da entidade, que mede a atividade econômica nos 33 países que a integram, caiu de 103,0 em julho para 102,9 em agosto. Foi a quarta vez consecutiva em que a taxa recuou ou manteve-se estável. ;Sinais mais fortes de um pico estão emergindo nos Estados Unidos;, alertou ontem a organização.
A leitura atenta dos indicadores dos países de maior relevância no cenário econômico reforça as preocupações com o quadro internacional. O índice da China declinou 0,4 ponto, para 101,3, enquanto o dos Estados Unidos caiu pelo quarto mês, de 102,4 para 102,3. O índice do Brasil recuou pelo segundo mês seguido: saiu de 100,0 em junho para 99,6 em julho e no mês de agosto caiu a 99,3.
;A perspectiva dada pelos índices de Canadá, França, Itália, Reino Unido, Brasil, China e Índia indica fortemente um declínio;, apontou a OCDE, acrescentando que ;os indicadores antecedentes compostos para agosto de 2010 reforçam os sinais de uma expansão econômica em desaceleração que já foi vista no mês passado;.
O G7, grupo integrado pelas sete maiores economias (Japão, EUA, Canadá, Itália, França, Alemanha e Grã-Bretanha), manteve-se em 103 pontos. O índice de indicadores antecedentes da Zona do Euro caiu de 103,8 em julho para 103,7 em agosto. No Canadá, a queda foi de 102,8 para 102,3; na França recuou de 102,4 para 102,3; na Itália, declinou de 103,2 para 103,0; no Reino Unido, passou de 102,7 para 102,9; na Índia, diminuiu de 100,6 para 100,4.