Jornal Correio Braziliense

Economia

Banco Central mantém juros, mas dúvidas persistem

Depois de elevar a taxa Selic de 8,75% para 10,75%, Copom opta pela estabilidade. A alegação é de que a inflação está sob controle. Analistas veem alta em 2011

Como esperado pelo mercado financeiro, a um mês das eleições presidenciais, a taxa básica de juros (Selic) parou de subir. A justificativa do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) para manter o indicador em 10,75% ao ano foi a de que os riscos de inflação observados, sobretudo, até abril, diminuíram bastante. Na avaliação do BC, mesmo que os índices de preços não repitam o que se observou nos últimos três meses ; taxas zeradas ;, o entendimento é de que o atual nível da Selic será suficiente para levar a inflação ao centro da meta definida pelo governo, de 4,5%. A expectativa entre os especialistas é de que os juros se mantenham inalterados até o fim do ano, mas podem subir ao longo de 2011, com o país sob novo comando. O presidente Lula comemorou a decisão e ressaltou ;o bom trabalho; no BC.

A estabilidade da Selic foi tomada por unanimidade, reflexo do trabalho feito nos bastidores pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, de manter a instituição unida em um momento de grande questionamento do mercado quanto à capacidade de seus diretores de avaliação do cenário macroeconômico. Em julho, quando o Comitê reduziu de 0,75 para 0,5 ponto percentual o ritmo de aumento da Selic, vários analistas viram na decisão um viés político, devido à proximidade das eleições. Mas tanto os índices de inflação quanto o fraco nível de atividade mostraram que o BC estava correto no seu diagnóstico.

No comunicado pós-reunião, o Copom admitiu que, ;ao mesmo tempo em que não espera que o nível de inflação registrado nos últimos meses se mantenha em um futuro próximo, observa a continuação do processo de redução de riscos para o cenário inflacionário que se configura desde a sua penúltima reunião;. E por conta desse cenário mais benigno ;avalia que, neste momento, a manutenção da taxa de juros no nível estabelecido em sua reunião de julho proporciona condições adequadas para assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas;.

Para muitos analistas, no entanto, o BC está correndo riscos. Eles avaliam que o Copom interrompeu cedo demais o ciclo de aperto monetário, o que implicará em nova rodada de aumentos logo no início de 2011. ;Uma alta de pelo menos mais 0,25 ponto percentual seria necessária;, disse o economista-chefe do SulAmérica Investimento, Newton Rosa. Ele ressaltou que, ao contrário do BC, não consegue ver a atividade econômica se desacelerando de tal forma que se possa prescindir de mais um ajuste na Selic. ;O crescimento está mais moderado, mas permanece o desequilíbrio entre a oferta e a demanda.;

Empresários criticam
No entender de Newton Rosa, o BC está dando muita importância aos indicadores recentes de inflação e para o cenário externo, que realmente mudou e cujo impacto é benigno para a inflação. O problema é que, para fazer com que o consumo deixe de ser inflacionário, os juros teriam que ir para 12,25%. ;O que falta para atingir essa magnitude terá que ser incorporado à taxa no ano que vem.;

Segundo Ricardo Denadai, economista do Santander Asset Management, ao chamar a atenção para a inflação, que certamente será maior nos próximos meses, o Copom está dando um recado ao mercado de que não está se iludindo. Ele acredita que a Selic terá que subir no próximo ano em pelo menos 1,5 ponto e ela se dará no decorrer do primeiro semestre.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, avaliou que o Copom mudou a sua percepção desde a reunião de julho. ;A avaliação sobre a piora do cenário externo foi mais veemente;, disse. Mas ele reconheceu que os dados divulgados nos últimos 45 dias ; ou seja, no intervalo das duas últimas reuniões ; sugerem mesmo uma desaceleração na economia global, contribuindo para o processo de desinflação no Brasil.

Gonçalves vê com cautela, porém, a justificativa de que a atividade interna está enfraquecendo de forma mais acentuada. ;Não dá para dizer isso devido à força da renda real das famílias;, ponderou. A seu ver, mesmo que esteja certo, agora, o BC ainda terá de promover mais uma alta de um ponto nos juros nas primeiras duas reuniões do Copom de 2011, para voltar a reduzir a taxa básica de outubro e de dezembro.

Enquanto os analistas lançam dúvidas e alardeiam sobre a possibilidade de uma nova alta dos juros, os empresários e trabalhadores afirmam que a Selic deveria ter caído. ;Manter a taxa no atual nível é um equívoco;, disse Benjamin Steinbruch, presidente em exercício da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).


MASSAS E BISCOITOS FICAM 9% MAIS CAROS
Biscoitos e massas alimentícias devem subir mais de 9% em 2010. Segundo a Associação Nacional das Indústrias de Biscoitos (ANIB), as empresas do setor não têm mais como absorver os aumentos das matérias-primas. A conta, agora, será repassada aos consumidores. A entidade ressalta que a farinha de trigo ficou 20% mais cara no ano, o açúcar foi reajustado em 25%, a gordura, as embalagens e os fretes tiveram alta de 15% e o papelão, de 20%. Além disso, foram concedidos reajustes salariais acima da inflação. O aumento do trigo é justificado pela quebra da safra na Rússia, em julho, o que reduziu a oferta do produto em cerca de 70 mil toneladas no mercado internacional. A produção brasileira não é suficiente para atender a demanda do país.

Delfim culpa a gastança

Gabriel Caprioli


O maior culpado pelo aumento da taxa básica de juros (Selic), que passou de 8,75% para 10,75% ao ano desde abril último, é o governo. Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, ao manter o atual ritmo da gastança, o Executivo empurra para o Banco Central toda a responsabilidade de segurar a inflação sob controle. O problema se torna maior, na avaliação de Delfim, porque, além de deixar os cofres abertos, o Tesouro Nacional gasta mal.

Na avaliação do economista, a comparação da política fiscal brasileira ; na qual o governo realiza o papel de indutor da economia, aumentando salários de servidores e reduzindo impostos para determinados setores, com a intenção de ampliar o consumo ; com as de outros países mostra que o gasto no Brasil é menos eficiente do que o desejado. ;Não é o nível de despesas que é insuficiente, é a qualidade do retorno (de serviços e investimentos) à população que é ineficiente;, afirmou.

A postura de um Estado indutor da economia, assumida pelo governo Lula a partir da elaboração e do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), enfrenta críticas pelo custo que proporciona. Mesmo com a maior arrecadação da história, o poder público continua com dificuldades de cumprir seus compromissos fiscais, aumentando o saldo negativo nominal e se distanciando da economia de recursos necessária para pagar os juros da dívida pública.

Delfim defendeu o controle definitivo dos gastos como a única forma de se reduzir a taxa de juros do país, movimento que facilitará os investimentos em inovação tecnológica e o crescimento sustentado da economia. ;Desenvolvimento é uma soma de inovação com financiamento, e é pela política fiscal que você traz a taxa de juros reais interna para próximo da externa;, considerou. De acordo com levantamento feito por Jason Vieira, analista da corretora Cruzeiro do Sul, o Brasil lidera um ranking de 40 países com os maiores juros reais, com 5,6% ao ano.