Se os analistas tinham ainda alguma dúvida sobre a possibilidade de o governo cumprir a meta de superavit primário deste ano, ela se dissipou completamente ontem, com a divulgação dos dados relativos ao setor fiscal. A gastança desenfreada dos últimos meses com o intuito de inflar a candidatura da petista Dilma Rousseff à Presidência da República fez com que as contas públicas tivessem, em julho, o pior resultado da série história do Banco Central iniciada em 2001.
A certeza de que a economia de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o pagamento de juros da dívida não será alcançada neste ano só fez aumentar a cobrança dos especialistas de propostas concretas por parte dos postulantes ao Palácio do Planalto. Todos querem saber o que eles farão para corrigir a irresponsabilidade fiscal que se vê neste fim do governo Lula. ;A luz amarela acendeu de vez no setor fiscal;, disse o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. A seu ver, a fatura a ser paga pela população virá em forma de um arrocho enorme em 2011, que poderá passar, inclusive, pelo aumento da taxa básica de juros (Selic). Gasto público além da conta sempre resulta em inflação.
O que torna mais assustador esse quadro é o fato de a deterioração fiscal estar se dando apesar de a arrecadação de impostos vir batendo consecutivos recordes, com aumento acumulado de 10% além da inflação. De janeiro a julho, o superavit primário ficou em apenas 2,14% do PIB, o nível mais baixo da série histórica para o período. Não à toa, os analistas têm dito que de nada adianta o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ficar alardeando o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. A culpa pelos perigos que o descontrole das contas públicas traz para o país está sendo creditada, em grande parte, a ele, em última instância, o responsável pelas chaves dos cofres do Tesouro.
Descompromisso
A queda do superavit primário é gigantesca se compararmos com dois anos atrás, quando o Brasil crescia a pleno vapor. Em julho de 2008, antes do ápice da crise mundial, o governo conseguiu economizar R$ 11,1 bilhões para o pagamento de juros. No mesmo mês do ano passado, caiu para R$ 3,2 bilhões e, em julho último, para R$ 2,4 bilhões. Se for levado em consideração o pagamento de encargos da dívida(1), de R$ 16,7 bilhões no mês passado, a fragilidade fiscal se torna ainda mais explícita: faltaram R$ 14,3 bilhões para o fechamento das contas. É o que os analistas chamam de deficit nominal ; o mais elevado da série para meses de julho. A boa governança diz que o ideal é o superavit primário ser suficiente para cobrir as despesas com juros. Infelizmente, não é o que se tem visto.
No acumulado do ano, a situação ruim se repete. O deficit nominal de R$ 65,5 bilhões, equivalente a 3,29% do PIB, é o mais elevado da série, assim como o montante de juros acumulado no período, que chegou a R$ 108,1 bilhões. Em 12 meses, a piora também é evidente. O superavit primário de R$ 68,6 bilhões, equivalente a 2,03% do PIB, é o menor desde março deste ano, enquanto os gastos com juros, de R$ 182,1 bilhões ( 5,40% do PIB), são os mais elevados da série.
;Diante da gastança que estamos vendo, o país não poderá reduzir a pesada carga tributária, inibindo o potencial de crescimento da economia;, afirmou Sílvio Campos Neto. ;O governo está usando todos os instrumentos possíveis para ganhar as eleições;, acrescentou Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora. Os dois, por sinal, dão como perdida qualquer meta de ajuste fiscal neste ano. ;Mas o próximo do governo não poderá abrir mão do controle das contas públicas. Não haverá saída;, disse Velho.
A situação está tão ruim, que, ontem, durante a divulgação dos números, nem mesmo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, quis se comprometer com o cumprimento da meta fiscal de 2010, de 3,3% do PIB. ; O BC não projeta resultados primários. Quem faz isso é o Tesouro;, esquivou-se.
1 - Em disparada
Com tanto número ruim nas contas públicas, o Banco Central só conseguirá acertar na projeção da relação entre a dívida líquida do governo e o Produto Interno Bruto (PIB) no fim do ano se for cumprida a meta de superavit primário de 3,3%. Nesse caso, o endividamento ficará em 39,6% do PIB. Em julho, tal relação subiu um pouco ante junho, de 41,4% para 41,7%. O motivo foi a valorização do real frente ao dólar de 2,46%, que contribuiu para elevar a dívida em R$ 8,9 bilhões.