Quando passar em um concurso público vira questão de honra, o candidato divide o tempo entre os livros e a Justiça. Reflexo do aumento da concorrência e de falhas na formulação ou na organização dos exames, cada vez mais pessoas têm recorrido aos tribunais para continuar no páreo por uma vaga no funcionalismo. O avanço dos concurseiros sub judice é proporcional à avalanche de contratações autorizadas pela União. Tão polêmico como comum, o fenômeno é mais visível nas seleções que oferecem salários maiores.
Prazos, questões de provas e critérios adotados pela banca servem de matéria-prima para grande parte das batalhas judiciais. Não raro, o candidato que obteve sinal verde da lei ; ainda que em caráter provisório ; chega até mesmo a assumir o cargo. A controvérsia incendeia o debate entre os estudiosos. ;O fato de o candidato ser nomeado sub judice é um problema. Alguns chegam a passar anos no exercício do cargo, porém, se vem uma decisão desfavorável naquele processo em que estava sendo discutida a reprovação em alguma fase, a medida a ser adotada é a exoneração;, explica Antonio Carlos Carvalho, procurador do Distrito Federal.
Prato cheio para decisões judiciais em favor dos candidatos são, por exemplo, as exigências esdrúxulas ou discriminatórias, como eliminação por gênero, altura e até por dentição incompleta; além de cobrança inadequada de documentação. Denise Vargas, professora de direito constitucional do Gran Cursos, reforça que a determinação do juiz pela nomeação definitiva está condicionada à confirmação da decisão no mérito ou por instâncias superiores. ;O fato de determinada exigência constar no edital não significa que esteja dentro da lei;, argumenta. Dessa forma, o recurso judicial é a última alternativa adotada pelos candidatos que se consideram, de alguma forma, prejudicados durante a apuração dos resultados de um certame, analisa.
Divergências
As disputas no Judiciário não são uma unanimidade entre os concurseiros. A linha que separa aquilo que é visto como legítimo direito do que é considerado puro oportunismo é tênue. ;Tive uma ideia. O que vocês acham de formarmos um comissão com o intuito de irmos até Brasília para reivindicar a reanálise das questões? Podemos fazer a coleta de todos os processos que tramitam na Justiça para balizar o nosso pedido;, propõe um rapaz que contesta, no fórum de concursos do Correioweb, itens da prova objetiva aplicada pela Polícia Rodoviária Federal. ;É muita gente desesperada, nunca vi. Querem ganhar no tapetão. Se essas pessoas estudassem 20% do quanto reclamam, passariam em todos os concursos;, rebate outro candidato em comentário publicado em seguida.
Entre os tópicos do fórum reservado aos candidatos, é possível verificar situações de conflito em concursos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. As opiniões dos internautas divergem na mesma proporção entre os que defendem e os que atacam os aprovados sub judice. ;Hoje sou eu, mas amanhã pode ser um de vocês;, ameaça uma candidata. ;Não pode passar por cima daqueles que conseguiram corresponder à análise da banca julgadora oficial e se tornaram aptos de prosseguir no certame. Prepara o bolso e bola pra frente. Imagina se essa moda pega...;, retruca outro concorrente.
Aprovados sub judice
O coordenador de Recursos Humanos da Polícia Federal, delegado Jorgeval Silva Costa, diz que os questionamentos por reprovações em alguma fase dos certames da PF são comuns. ;Vários candidatos fizeram o curso de formação em razão de determinações judiciais, desses, alguns conseguiram decisões para serem nomeados, o que de fato ocorreu;, afirma. Mandados de segurança concedidos a candidatos portadores de deficiência também são frequentes. No caso dos candidatos que têm visão monocular (enxergam apenas com um dos olhos) há até jurisprudência. ;Os tribunais dão ganho de causa a esse tipo de processo devido a uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a interpretação é a de que a visão monocular deve ser classificada como deficiência;, justifica Denise Vargas, do Gran Cursos.
No concurso realizado pelo próprio STJ, em 2008, 16 candidatos portadores de deficiência foram aprovados sub judice para o cargo de técnico judiciário, conforme consta na lista final divulgada pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe). Apesar de a lista pública dos aprovados não discriminar o tipo de deficiência, estima-se que todos sejam portadores de visão monocular. Já o concurso para procurador federal, da Advocacia-Geral da União (AGU), está em andamento com 17 participantes sub judice. A última seleção concluída pelo órgão, para o cargo de advogado da União, teve 20 participantes amparados judicialmente, dos quais um foi nomeado.
Bernardo Brandão, advogado especializado em concursos públicos, reconhece a existência de casos em que os candidatos lançam mão dos artifícios jurídicos para tumultuar o processo, mas lembra que a má-fé não é o que move a maioria. ;São casos isolados. Cerca de 90% dos recursos são legítimos;, calcula. Segundo ele, os organizadores deveriam simplificar alguns pré-requisitos como forma de reduzir os índices de contestações. Para o especialista, outro problema crônico é a falta de transparência nos exames psicotécnicos.