Jornal Correio Braziliense

Economia

Disputa entre gigantes alimenta salto de 13,28% no preço das sardinhas, índice quatro vezes superior à inflação

A sardinha tão apreciada pelo brasileiro está pesando no bolso. O preço do pescado mais consumido no país disparou 13,28% nos últimos 12 meses e superou a inflação do período em quatro vezes. Por trás dessa escalada, que transformou o consumidor em vítima, há uma história com lances internacionais, uma verdadeira guerra de gigantes. De um lado da arena, estão as empresas Gomes da Costa e Coqueiro, que dominam quase 90% de um mercado de R$ 2 bilhões. Do outro, a recém-criada e já poderosa Ampex, que importa da Tailândia o produto que ameaça o domínio dos donos do pedaço no Brasil. Com a expansão da renda e o consumo intenso, a sardinha passou a ser ainda mais procurada. A importação tornou-se necessária para suprir o mercado doméstico, e a Ampex, de olho nessa oportunidade de lucros, resolveu iniciar a operação, elevando fortemente a compra do peixe no exterior. Apenas nos primeiros cinco meses do ano, comprou US$ 7 milhões do peixe tailandês. A Gomes da Costa e a Coqueiro reagiram rapidamente e solicitaram uma interferência do Ministério da Pesca. A resposta ao novo concorrente veio em forma de sobretaxas. O imposto de importação para a sardinha enlatada subiu de 16% para 32%, medida adotada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) em maio. No mês seguinte, houve uma nova intervenção. A pasta do ministro Altemir Gregolim foi atendida em sua solicitação à Camex para redução dos tributos sobre o peixe congelado que é enlatado no Brasil. O órgão argumentou, em suas decisão, que visou proteger não apenas os empregos das enlatadoras, como também a renda dos pescadores que fornecem a sardinha para essas empresas. A sobretaxa sobre a sardinhas vindas da Ásia impactou no custo do produto e, por essa razão, o brasileiro está pagando 10% a mais para consumir o peixe. Com o fim do período de proibição da pesca da sardinha, em julho, os custos tendem a baixar, mas desde que os embates das companhias do setor não os elevem novamente. Embora tenha começado a operar apenas em janeiro, a Ampex já nasceu em berço de ouro. A empresa pertence a José Eduardo Simão, ex-sócio da Gomes da Costa, cujo controle foi vendido em 2004 ao grupo espanhol Calvo. A nova concorrente mostra sua força. Já desfruta de um acordo de distribuição com o bilionário grupo JBS. Surto enlatado A Ampex, nova marca do mercado brasileiro de sardinhas, foi acusada pelas concorrentes Coqueiro e Gomes da Costa de promover um "surto de importação" da sardinha enlatada. No ano passado, foram importadas 114 toneladas do produto. Com a entrada da empresa no setor, chegou-se a 1.914 toneladas apenas no primeiro semestre de 2010. O Ministério da Pesca tomou partido. Ficou do lado das empresas dominantes do mercado, que contam com apoio da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) e do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe), que reúne empresários, entidades e sindicatos do setor. A importação da sardinha não ocorreu por acaso. Em um mercado concentrado e de produção defasada, as compras lá fora tornaram-se necessárias para suprir a demanda doméstica. Até os anos 1970, o Brasil pescava 200 mil toneladas; em 2000, esse número tombou para 17 mil - levou o peixe quase à extinção no mar brasileiro e obrigou o governo a impor um período conhecido como defeso, no qual fica proibida a pesca nos primeiros seis meses de cada ano. Com a medida, em 2009 foi possível tirar dos mares do país 100 mil toneladas. Mesmo com um tempo de improdutividade longo, antes o preço da sardinha nunca havia disparado tão intensamente como neste ano. Em 2007, o peixe chegou até a ficar 17% mais barato, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15). "Na composição desse valor, temos vários insumos, como o óleo e a mão de obra, que têm tido ganho real de rendimento e, lá na ponta, o brasileiro é impactado por esses custos", explicou ao Correio o secretário de Planejamento e Ordenamento do Ministério da Pesca e Aquicultura, Karim Bacha. Com a proibição da pesca na costa brasileira no início do ano, a necessidade de importação fez-se ainda maior. E as mudanças nas tarifas, segundo o governo, tinham o objetivo de proteger a produção nacional recém-restabelecida. "Chegamos à conclusão que o ingresso desse produto, dessa espécie de sardinha da Ásia, bem diferente da que consumimos, além de causar um descompasso poderoso e negativo na produção nacional, poderia estar contribuindo para uma imagem negativa da sardinha", argumentou Bacha. Elevação O tiro da Camex e do Ministério da Pesca ajudou o setor produtivo, mas acertou em cheio o bolso do consumidor. A sardinha congelada, mesmo depois de ter tarifa de importação reduzida em junho, ficou mais cara no mês seguinte, subindo 4,99% - uma elevação expressiva em julho, o único mês do ano em que a inflação recuou 0,09%. Para o presidente da Ampex, José Eduardo Simão, a medida de sobretaxa visa proteger apenas as gigantes do setor e não a produção de sardinha no Brasil. "Hoje importa-se carro zero com nada de tributação. Agora, sardinha, que é um alimento importante para as classes C e D, chega aqui com uma taxa de 32%", reclamou. "O caminho normal quando produtos chegam ao Brasil abaixo do custo de produção, e fazem concorrência desleal, é entrar com um processo de antidumping. Mas nenhuma empresa do setor moveu a ação. E não fizeram isso porque a sardinha importada por mim não chega abaixo do custo de produção", argumentou o empresário. Para o ministério, a importação é perigosa para a pesca nacional de sardinha. "Ele (Simão) prefere atacar as principais indústrias em vez de reconhecer que temos uma frota de 200 barcos que capturam somente essa espécie e que (a Ampex) importa um produto pronto, que não gera emprego aqui", diz Bacha. Simão rebate: "Importamos 5% do mercado. Isso não é ameaça". A Ampex entrou com uma ação na Secretaria de Direito Econômico (SDE), no Ministério da Justiça, alegando concorrência desleal e acusando as duas gigantes do setor de ter induzido o governo a erro. A SDE recebeu a denúncia e enviou ofício às empresas acusadas. Até que provas sejam coletadas, prefere não comentar o caso.