O número de processos trabalhistas contra o maior empregador do país não para de crescer. A União lidera com folga o volume de ações que tramitam no Tribunal Superior do Trabalho (TST), passivo que, mais cedo ou mais tarde, será pago pelo contribuinte. Até o último levantamento, feito em abril, eram mais de 21,9 mil processos. De acordo com o presidente do tribunal, ministro Milton de Moura França, a cada dia, centenas de novos casos aumentam a pilha de reclamações.
O avanço é tão assombroso que o próprio TST está estimulando, desde setembro, as empresas que lideram o ranking de processos a desistirem de causas cuja chance de decisão favorável a elas seja pequena. A possibilidade de vitória é reduzida quando a matéria da qual trata a ação já é alinhada com a jurisprudência(1) do tribunal. Segundo França, a intenção é convencer as instituições acionadas que é desvantajoso manter os recursos, uma vez que eles geram custos e se arrastam por anos. ;Muitas empresas não têm a dimensão desse ônus financeiro, porque as ações inicialmente são regionalizadas;, explica França. Na visão do presidente, a desistência e a negociação são caminhos rápidos para desembaraçar causas praticamente perdidas. ;Em processos contra a União que envolvem danos decorrentes de mudanças nos planos econômicos, por exemplo, não há o que argumentar. Só resta fazer as contas e pagar ao reclamante;, completa.
Com base na recomendação do tribunal, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, determinou por meio de uma portaria a análise da desistência de pelo menos 18 mil processos que correm contra o governo. As contas ainda estão sendo fechadas e a AGU deve negociar com os reclamantes na tentativa de reduzir o montante a ser desembolsado. Estimativas preliminares apontam que as indenizações podem ficar entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões. ;Os acordos diminuem o estoque de encargos a serem pagos e ainda melhoram a imagem das instituições acionadas. Estamos confiantes de que a União vai liberar um bom número de ações;, estima o presidente do TST.
Grande parte dessa conta acumulada pelo governo é resultado da contratação de empresas irregulares para a prestação de serviços gerais. As reclamações contra elas são inúmeras e incluem de queixas salariais e de falta de pagamento de horas extras a problemas na arrecadação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Algumas chegam a recolher o valor correspondente ao benefício, mas não repassam para o trabalhador. Como determinadas empresas desaparecem depois de aplicarem o calote, o governo é responsabilizado e acaba por pagar novamente um serviço já quitado na ocasião da contratação.
Antídoto
Em uma tentativa de minimizar o rombo causado nos cofres públicos em função desse tipo de golpe, o Ministério do Planejamento publicou no fim do ano passado uma instrução normativa que permite ao governo intervir na contratação de terceirizados. A decisão autoriza a administração pública a incluir no edital a exigência da criação de uma conta vinculada para que sejam depositados os valores referentes às obrigações trabalhistas. De acordo com a orientação, a conta só pode ser movimentada com autorização do órgão contratante.
Além da União, o TST também acionou companhias estatais e privadas que arrastam milhares de processos na Justiça do Trabalho. Entre elas, estão a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, os Correios, a Oi, a Telemar, o Bradesco e alguns fundos de previdência complementar, como Petros (dos funcionários da Petrobras) e Funcef (dos empregados da Caixa).
De acordo com o ministro Milton de Moura França, as empresas se comprometeram a estudar os casos e a avaliar a viabilidade de desistir das ações. ;Para elas, só ha vantagens porque além de diminuírem os custos e desobstruir o tribunal (permitindo uma análise mais rápida de outros casos) possibilita que a defesa das empresas seja concentrada em casos com maior chance de decisão favorável;, avalia. Entre as instituições contatadas, somente a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) deu ao TST uma resposta definitiva. Segundo o presidente do TST, a entidade desistiu de manter os recursos contra 3,6 mil ações.
1 - Parâmetro
Jurisprudência é o termo jurídico usado para classificar o conjunto de decisões tomadas por um tribunal superior. Quando diversas ações judiciais semelhantes são definidas com base nos mesmos argumentos, a jurisprudência serve de base para o Judiciário de instâncias inferiores solucionar casos futuros.
Memória
Muito além do salário
As irregularidades cometidas pelas empresas não se restringem apenas a questões salariais ou de recolhimento de benefícios ao trabalhador. No fim de maio, o Correio mostrou que empregados terceirizados, contratados pelo Ministério da Fazenda e pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), estavam sendo submetidos a condições extremas ou degradantes.
Na ocasião, constatou-se que, na Fazenda, motoristas (a maioria mulheres) eram obrigados a aguardar a solicitação para a prestação do serviço parados em um estacionamento externo, com difícil acesso a banheiros e água. No Aeroporto Internacional de Brasília, os funcionários tinham que atravessar um trajeto de cerca de dois quilômetros para almoçar, assinar o ponto ou buscar equipamentos e produtos utilizados no trabalho de limpeza.
A responsável pelos trabalhadores da Fazenda, a Delta Locação de Serviços e Empreendimentos, se defendeu com o argumento de que a responsabilidade pelo fornecimento da infraestrutura necessária é do órgão contratante. No caso da Infraero, a estatal alegou que a prerrogativa de oferecer transporte aos funcionários é da Visual, empresa que recruta os profissionais. (GC)