Na véspera do recesso parlamentar, a comissão especial instalada na Câmara dos Deputados para analisar o fim da cobrança previdenciária dos servidores inativos aprovou ontem uma fórmula que acaba progressivamente com o desconto. A nova regra mexe com a reforma da Previdência feita pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 e é vista por técnicos atuariais como um retrocesso. A perda de receita para a União é estimada em R$ 1,8 bilhão ao ano.
Com o plenário lotado de aposentados e pensionistas, os políticos de oposição e da base aliada duelaram. José Genoíno (PT-SP), único a votar contra, acusou os adversários de irresponsabilidade fiscal e defendeu o que chamou de ;princípio de solidariedade;. ;Os servidores não têm culpa de ter aposentadorias diferenciadas, mas é público e notório que há benefícios elevados. Será que não é justo contribuir?;, atacou o petista sob vaias dos representantes dos servidores e provocações dos colegas. ;O PT é incoerente;, disparou Chico Alencar (PSol-RJ).
O clima eleitoral fez com que o relatório do deputado Luiz Alberto (PT-BA), apresentado na semana passada, fosse rejeitado. O texto previa a isenção automática para os servidores já aposentados por invalidez ou que alcançaram os 70 anos de idade. Os inativos que completassem 61 anos, segundo o parecer de Luiz Alberto, seriam beneficiados com um redutor de 10% sobre a alíquota hoje incidente e, ano a ano, teriam o valor reduzido na mesma proporção para, aos 70 anos de idade, também deixarem de recolher.
Com a queda do parecer original, os deputados votaram e aprovaram o substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 555/06 apresentado logo em seguida por Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e considerado ainda mais favorável aos servidores. Atendendo às pressões (1) dos sindicatos, o parlamentar baixou a idade de isenção total do desconto previdenciário para 65 anos. Com isso, aos 61 anos, o aposentado pagará 20% menos de contribuição e assim sucessivamente até deixar de recolher. ;O mais importante é que não haverá esqueleto. Quem pagou, pagou;, disse Sá. Foi mantido o desconto integral para os que deixaram o funcionalismo por invalidez.
Se confirmada em plenário, todos os inativos ; sem restrição ; serão contemplados com a medida. A PEC 555/06 previa que apenas os que se aposentaram ou se tornaram pensionistas antes da promulgação da Emenda Constitucional 41 (EC 41), que reformou a Previdência, seriam atingidos. A EC 41 passou a vigorar em 1; de janeiro de 2004. Por se tratar de mudança constitucional, há a necessidade de aprovação em dois turnos na Câmara e do Senado. Ainda não há data definida para as votações.
Pedágio
Graças a uma correlação de forças inédita no Congresso Nacional, o governo conseguiu aprovar em 2003 uma alíquota de 11% sobre os ganhos dos servidores inativos. A taxa incide sobre a parte da remuneração que ultrapassa o teto do benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos empregados da iniciativa privada, atualmente fixado em R$ 3.467,40. Os que recebem até esse limite estão isentos. Nem de longe o pedágio é suficiente para bancar a aposentadoria integral dos servidores, mas a intenção do Palácio do Planalto à época era mandar um recado ao funcionalismo de que as contas teriam de fechar a longo prazo.
A falta de regulamentação do fundo de previdência complementar para os servidores públicos, no entanto, anulou qualquer tentativa de equilibrar o sistema responsável pelo pagamento de benefícios no setor público. O grande contingente de pessoas que nunca contribuíram para o sistema e, hoje, recebem os mesmos salários de quando estavam na ativa também pesa nos cofres do Tesouro Nacional. A Previdência do funcionalismo ; incluindo os Três Poderes e os militares ; apresentou um deficit em 2009 de R$ 38,1 bilhões. Em 2010, a previsão é que o rombo chegue a R$ 43,4 bilhões, praticamente o mesmo buraco aberto no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que paga cerca de 27 milhões de benefícios. A Previdência pública atende a aproximadamente 985 mil pessoas.
1 - Para a plateia
As mudanças propostas pelos deputados têm forte apelo político e agrada a quase todas as entidades ligadas ao funcionalismo. Ao longo dos últimos três anos, o lobby dos sindicatos se intensificou, o que acabou culminando com a aprovação do fim escalonado da cobrança previdenciária dos inativos justamente em um ano eleitoral. Os especialistas em contas públicas dizem que o estrago contábil é grande, por causa da perda bilionária de receita, mas pode ser maior ainda se o governo não reagir e impedir a votação em plenário.