De olho na enxurrada de processos encaminhados por consumidores à Justiça exigindo a prestação de serviços pelos planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação e fiscalização do setor, decidiu botar um freio nas disputas que se arrastam por anos. Em aproximadamente dois meses, o órgão vai implantar um mecanismo que lhe permitirá atuar como mediador dos conflitos antes de eles chegarem aos tribunais. Com isso, espera não só acelerar o atendimento aos consumidores, mas garantir o compromisso das empresas com qualidade.
Dados da ANS mostram que a negativa de cobertura de procedimentos médicos é a terceira colocada no ranking de reclamações contra planos de saúde. Apenas em 2009, foram 8.894 denúncias à agência. Nos dois primeiros meses deste ano, 215. As reclamações contra as operadoras lideram as demandas recebidas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) há mais de uma década.
Batizado como Notificação de Investigação Preliminar (NIP), o sistema está sob análise da área técnica que vai apurar as sugestões recebidas por meio de uma consulta pública sobre o tema, concluída no último sábado. O mecanismo foi considerado um sucesso em um projeto piloto que começou em outubro de 2008, inicialmente restrito a 35 operadoras, mas que, em março de 2009, foi ampliado para abranger pequenas e médias empresas de Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco, Distrito Federal e nos municípios de Ribeirão Preto (SP) e Cuiabá (MT).
Conciliação
Os resultados do experimento mostram que 55,6% das 5.320 queixas recebidas entre outubro de 2008 e maio deste ano foram resolvidas sem virar processos, o que evitou batalhas judiciais que poderiam se arrastar por anos sem atender a demanda do consumidor em tempo hábil. Entre as pequenas e médias empresas, o resultado foi ainda melhor: das 1.710 denúncias, 81% obtiveram êxito na conciliação. Atualmente, 10 operadoras do DF participam do projeto.
Após a análise das sugestões recebidas pela consulta pública e de eventuais mudanças no texto, a previsão é de que o projeto entre em vigor no prazo de dois meses contados a partir da publicação das novas normas no Diário
Oficial da União. A medida prevê que o beneficiário que se sentir lesado com a negação de cobertura pelo plano de saúde poderá reclamar à ANS pelo telefone 0800 701 9656 ou pelo site da agência (). O órgão regulador fica responsável por encaminhar a denúncia à operadora, que terá cinco dias úteis para justificar a negativa ou ceder a cobertura, tudo justificado por meio da respectiva documentação.
A ANS se compromete a elaborar uma análise técnica sobre todas as respostas das empresas, mas não estabeleceu um prazo para essa apreciação. Se o plano mantiver a negativa da cobertura, mas a ANS avaliar que a justificativa é incompatível com a legislação ou se a queixa não for respondida, um processo administrativo tradicional será aberto para tratar da denúncia. A receptividade ao projeto foi boa por parte das operadoras.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, avalia que o mecanismo será benéfico para todos os envolvidos. ;Vejo o projeto com bons olhos, porque é mais uma oportunidade para deixar de abrir processos longos, pois a NIP tende a resolver muito rapidamente os conflitos. Além disso, em muitos casos, o cliente não entende o motivo da negação de cobertura e ninguém melhor que a ANS para esclarecer essas dúvidas;, disse. Almeida afirma ainda que a Abramge contribuiu com sugestões durante a consulta pública. ;A proposta é boa. Nossas sugestões abordam apenas pequenas mudanças para dar mais clareza ao texto.;
Lacunas
A consulta pública ficou aberta do dia 17 de junho até o último sábado. Inicialmente, o prazo para participação da sociedade era de 10 dias, mas, após pressões dos institutos de defesa do consumidor, o período foi prorrogado por mais 10 dias. ;É difícil entender para que abriram uma consulta com tão pouco tempo. Isso dificultou a elaboração de propostas mais profundas;, criticou Daniela Trettel, advogada do Idec. Apesar do tempo apertado, as lacunas identificadas pelo Idec foram encaminhadas à ANS na quinta-feira.
Segundo Daniela, a primeira falha observada é a falta de clareza com relação aos contratos beneficiados. ;A ANS tende a excluir os planos antigos (1) ao julgar o direito de cobertura. Caso isso se repita, uma parcela significativa dos contratos ficará fora da mudança. O ideal é que todos sejam contemplados, mas isso precisa estar melhor evidenciado;, ponderou. Outra possível fonte para dores de cabeça é a falta de prazos para a atuação da agência. ;As operadoras têm cinco dias para responder as denúncias, mas nenhuma linha define o tempo máximo para resposta da ANS. Se houver demora, o procedimento não servirá de nada para casos de emergência.;
As brechas não param por aí. O Idec também sugere que a agência especifique exatamente o que o órgão interpreta como ;negativa de cobertura;, termo usado no documento. ;Falta ainda determinar quando e como o beneficiário saberá o motivo da não cobertura, nas situações que assim for julgado;, complementou Daniela. A última crítica na lista do instituto se refere à ausência de instrumentos para impedir que as operadoras só ofereçam a cobertura após a conciliação de forma reincidente, criando mais uma barreira diante dos consumidores. ;Apesar desses problemas, no geral a avaliação é que a NIP é positiva, mas não deve ser obrigatória.;
1 - Desamparados
Todos os contratos firmados até 31 de dezembro de 1998, por não estarem necessariamente enquadrados na Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, são chamados de contratos antigos. Atualmente, estima-se que mais de 10 milhões de beneficiários se enquadrem nesse critério. Juridicamente, entende-se que esse grupo de clientes está desamparado da lei, e as regras são definidas pelo que determinar o contrato.
Questionamentos sobre o projeto
; Pouco tempo para consulta pública (20 dias) dificultou o envio de sugestões mais trabalhadas
; Não diz claramente se todos os contratos, independentemente da data da assinatura, podem usar o mecanismo de negociação
; Não define claramente o que será considerado como negativa de cobertura
; Não define claramente os prazos para atuação da ANS
; Não fixa procedimentos para impedir que as operadoras passem a só conceder cobertura mediante reclamação, usando a intervenção da ANS como mais uma barreira diante dos usuários