Marcone Gonçalves
Vicente Nunes
Luciano Pires
Economista desenvolvimentista, José Luís Oreiro é um dos pesquisadores mais produtivos do país e também um dos maiores críticos da atual política macroeconômica. Na visão dele, a dinâmica de juros e câmbio conduzida pelo Banco Central (BC) é incapaz de sustentar o crescimento médio da economia brasileira em 5% ao ano. Quem espera ataques raivosos do professor da Universidade de Brasília (UnB), titular da disciplina Macroeconomia do Desenvolvimento, vai se decepcionar. As contundentes restrições à ortodoxia vêm acompanhadas de uma profusão de ideias para impedir a transformação do Brasil naquilo que ele chama de ;uma ilha de bancos rodeada de commodities por todos os lados;.
Para Oreiro, os bancos brasileiros ainda estão acomodados ao ganho fácil obtido com o financiamento ao governo. Por isso, ele propõe a extinção, numa tacada só, das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), papéis que são um dos principais instrumentos de financiamento do governo e do lucro das instituições. Essa iniciativa, argumenta, ajudaria a acabar com resquícios da cultura inflacionária, como as aplicações em fundos de investimento com liquidez diária e pagamento de juros.
O professor defende a reforma do Estado e, principalmente, a mudança institucional do Conselho Monetário Nacional (CMN) para acabar com o descompasso entre as políticas fiscal, conduzida pela Ministério da Fazenda, a monetária e a cambial, ambas sob responsabilidade do BC. Para Oreiro, os investidores precisam entender que o câmbio flutuante não deveria se mover só para baixo, como ocorre hoje na maioria das vezes.
A criação de um fundo de estabilidade cambial, com a adoção de controle de entrada de capitais no Brasil, seria uma alternativa para desvalorizar o real frente ao dólar. Ele também se arriscou a fazer algumas previsões drásticas para a economia brasileira. O próximo presidente, acredita, precisará lidar com uma bomba-relógio devastadora, que será acionada pelo deficit no setor externo de US$ 100 bilhões previsto para o ano que vem. Veja abaixo, os principais pontos da entrevista ao Correio.
Competição bancária
Não dá para a gente achar que o setor bancário será um setor competitivo com bancos médios, porque tem muita economia de escala no setor. O que dá para fazer é usar instrumentos como os bancos públicos e a regulação mesmo. Já que o setor é oligopolista, o governo pode começar a dizer qual é a taxa que ele pode cobrar. Não tem problema nenhum fazer controle de preço para um mercado que não é competitivo. Isso não gera ineficiência. Tem que haver um órgão dentro do BC que comece a pensar essas coisas. Que olhe a solvência, mas também a regulação.
Conselho Monetário
O Conselho Monetário Nacional só serve para definir a meta de inflação, a TJLP (juros de longo prazo) e um votinho ou outro na área agrícola. A política fiscal está toda no Ministério da Fazenda. Não há um fórum, não há institucionalidade para a coordenação entre política fiscal e monetária. Num novo modelo de política fiscal, o CMN teria duas atribuições. Ele fixaria metas de inflação e de superavit em conta-corrente e seria responsável pela definição das políticas monetária e fiscal.
Fim das LFTs
Nós ainda temos uma excrescência do tempo de inflação alta, que são as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). Elas fazem uma conexão indevida entre a gestão da dívida pública e a política monetária. Isso faz com que as reservas bancárias e os títulos do Tesouro Nacional sejam substitutos muito próximos entre si. Então, a mesma taxa de juros que remunera o mercado interbancário vale também para a dívida pública. Eu sou favorável a um choque, à troca das LFTs por outros títulos, de uma só vez, com uma série de intervenções cirúrgicas no sistema financeiro.
Caderneta de poupança
É fato que a caderneta de poupança com juros de 0,6% ao mês definidos na legislação impõe um limite para a queda das taxas. Então, é preciso reformar o sistema. Uma das reformas possíveis que podiam ter sido feitas era simplesmente dizer que a caderneta não teria mais remuneração mensal, mas trimestral. Com isso, a remuneração seria maior do que a dos fundos de investimentos, porém com uma liquidez menor, o que já evitaria a migração de recursos dos fundos de investimento para a poupança, que o era o que o governo queria.
Regime Fiscal
Deveríamos ter dois orçamentos: o corrente e o de capital. O regime fiscal seria pautado por metas de superavit em conta-corrente. Dessa conta de receitas e despesas, seriam excluídos os investimentos. Na conta capital, os créditos seriam esse superavit e os débitos seriam representados pelos projetos de investimento. Nessa sistemática, só haveria deficit nominal (resultado negativo no final das contas) se houvesse um investimento maior do que o superavit de conta-corrente. Ou seja, toda a dívida que fosse emitida serviria para financiar a aquisição de ativos, como estradas e aeroportos, por exemplo. Dessa forma, o deficit se autofinancia, pois o ativo vai gerar receita lá na frente. É um sistema mais inteligente.
Bomba em 2012
Uma bomba relógio vai explodir no colo do próximo governo e pode desestruturar toda a economia. A não ser que ocorra alguma coisa na Europa. Se ocorrer, explode agora. A bomba mesmo está armada para 2012. Imagine quando a gente fechar 2011 com deficit em conta-corrente de US$ 100 bilhões, segundo projeções do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Mesmo que as nossas reservas cresçam para US$ 300 bilhões, já será um terço das reservas. A solução clássica para abortar esse tipo de situação é meter o pé no freio em 2011. Se José Serra (candidato do PSDB) ganhar, põe. Dilma Rousseff (candidata do PT) não põe.
Combinação mortal
Essa combinação de câmbio e juros é mortal, pois provoca um processo de desindustrialização e de concentração da pauta de exportações em produtos primários. Com ela, não vamos ter crescimento sustentado de 5% ao ano. O câmbio no Brasil só flutua em uma direção, para baixo. Excluídos os momentos de crise, é essa a tendência. Os fundos de investimento europeus no Brasil não fazem mais seguro contra a desvalorização porque já assimilaram que, no país, quando o câmbio muda, é para baixo. Um elemento muito importante é o diferencial de juros, que gera tendência de apreciação do real e tem reflexos negativos na conta externa e na estrutura produtiva. Nos últimos anos, houve perda da participação da indústria no valor adicionado e mudança na pauta de exportação em direção às commodities.
Capital especulativo
Do jeito que está hoje, o mercado ganha nas duas pontas: no diferencial de juros e na expectativa de valorização do real. Por isso, a gente atrai tanto capital especulativo. Mesmo que as ações em reais na Bolsa de Valores não subam muito, para o estrangeiro é ótimo. Ele entra com um dólar a R$ 1,80 e sai com o dólar a R$ 1,60. Qualquer ;merrequinha; que ele ganhar em reais vira um negócio fantástico quando se transforma em dólares.
Controle na entrada
A elasticidade de renda das exportações brasileiras é muito baixa e a de importações, muito alta. Isso significa que, com o mundo crescendo 2% e o Brasil, 6%, nossas importações vão aumentar três vezes mais rápido que as exportações. É preciso mudar isso estruturalmente. Uma parte se resolve com câmbio e outra, com política industrial e inovação tecnológica. É preciso resolver a política de juros e também pôr um ;controlezinho; de entrada de capital e ter ainda alguma outra forma de intervenção no mercado de câmbio que não a atual. No meu mundo ideal, você teria uma outra instituição, que eu chamo de fundo de estabilização cambial, mas pode ser o fundo soberano.
Depressão mundial
Acho que é possível haver uma depressão mundial. Ela começaria na Europa, que tem um problema estrutural: a concepção do euro. Eles acharam que poderiam fazer, primeiro, a unificação monetária para, depois, fazer a política. A história mostra que se deve fazer o contrário. A moeda se sustenta basicamente em cima do poder do Estado. Se você não tem Estado, não tem moeda. A libra tem um Estado por trás. O Reino Unido está numa situação fiscal muito pior do que a Espanha, mas não se vê o mercado reclamando dele. A França e a Alemanha têm uma situação fiscal muito melhor, mas não tenho fé de que o euro se sustente a médio prazo.
Serviço público
Por mais que algumas carreiras precisem de uma recomposição salarial, o que se observa é o descompasso entre custeio e investimento. Isso é uma das coisas que me desagradam no modelo macroeconômico. A reforma no aparelho do Estado implica começar a avaliar o produto que é entregue para sociedade, se é bom ou ruim, se é produzido de maneira eficiente ou não. Vou falar a partir de minha experiência nas universidades federais. Tirando honrosas exceções, eu diria que, na maior parte dos departamentos que eu conheço no Brasil, você poderia demitir a metade e aumentar o salário dos outros. Assim, resolveria o problema.