Incorporações e ganhos extras atrelados a contracheques transformaram a folha do Judiciário em uma colcha de retalhos cara e pouco transparente. Dependendo do cargo e do tempo de serviço, analistas e técnicos chegam a ganhar o mesmo ou até mais do que juízes. A distorção é fruto de uma política de recursos humanos falha e, agora, mais uma vez sob pressão de servidores. Há cerca de três semanas, funcionários da Justiça de todo o país estão em greve reivindicando um reajuste médio de 56%.
Por força de uma resolução(1) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), baixada no fim do ano passado, os tribunais federais começaram a divulgar na internet o detalhamento dos gastos com pessoal. A publicidade dada ao uso do dinheiro público mostra que o salário-base é mera referência na remuneração total dos ocupantes de cargos efetivos. Um analista judiciário lotado no Tribunal Regional do Trabalho da 5; Região (TRT-5), por exemplo, ganha R$ 8,7 mil de vencimento padrão e outros R$ 15,2 mil entre vantagens pessoais e gratificações por cargo ou função comissionada, alcançando um montante de R$ 24 mil por mês. Assim como esse servidor, outros tantos analistas e chefes de seção ostentam salários bem acima da média do próprio Judiciário.
Dados do TRT-5 referentes a abril disponíveis na web revelam ainda que os ;penduricalhos; anexados ao salário são quase uma regra. Fenômeno que ganhou força a partir de 2002, quando uma série de correções modificaram direta ou indiretamente a composição dos salários dos servidores da Justiça, a extensão de bônus por tempo ou qualificação é apontada como a maior causa dos desequilíbrios remuneratórios nos tribunais. Informações da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados repassadas ao Ministério do Planejamento indicam que 90% dos concursados recebem alguma função comissionada. Aproximadamente, 60% dos 100 mil empregados da Justiça estão no topo das carreiras.
No TRT-15, há casos de servidores ganhando R$ 24 mil, R$ 26 mil e até R$ 29 mil por mês sem que essas remunerações sofram abatimento por terem extrapolado o limite legal definido para o setor público. O teto do funcionalismo equivale ao subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF): R$ 26.723.13. O ranking segue com os juízes dos tribunais superiores (R$ 25.386,97), os juízes de tribunais regionais e desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (R$ 24.117,62), juízes federais, de varas trabalhistas, auditores militares e juízes de Direito (R$ 22.911,74), além de juízes substitutos (R$ 21.766,16).
Férias
Os meses de junho, julho, dezembro e janeiro são reveladores. Dados públicos veiculados pelos tribunais demonstram que a folha de pagamentos dá saltos nesses períodos por causa do pagamento de férias e outros benefícios eventuais. Um chefe de seção do TRT-5 com função comissionada recebeu em janeiro, de acordo com a tabela que está no site oficial do órgão, R$ 45.523,04 e não sofreu qualquer retenção por avançar o teto constitucional. Salários acima dos R$ 30 mil pagos por esse tribunal no primeiro mês do ano são comuns para diretores e chefes de seção.
O projeto de lei que trata da reestruturação das carreiras judiciárias está parado no Congresso Nacional à espera de votação desde o segundo semestre de 2009. Com um impacto financeiro estimado em R$ 7 bilhões só em 2010, a proposta enfrenta fortes resistências. Apesar de não interferir nas negociações salariais de outros poderes, o Executivo já avisou que não há recursos em caixa para bancar o aumento. Enquanto isso, os sindicatos sobem o tom. Ontem, depois de uma rodada de assembleias, os servidores da Justiça prometeram intensificar a paralisação.
Defasagem
Berilo Leão, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Distrito Federal (Sindjus-DF), diz que o novo plano de cargos e salários corrige defasagens históricas e recompõe a capacidade de compra dos servidores do Judiciário. Segundo ele, os altos salários são reflexo de tempos que não voltam mais. ;Desde 2001, não se incorpora mais nada. Mais da metade da categoria não pode mais incorporar;, reforçou.
Internamente, os sindicatos avaliam apresentar ao governo e ao CNJ uma proposta de remuneração por subsídio, que aglutinaria todos os ganhos extras ao salário-base dos servidores. A ideia, no entanto, divide os funcionários que aderiram à greve. Os servidores mais antigos são contrários porque acreditam que perderão parte da remuneração. Os novatos, por sua vez, são favoráveis porque enxergam no longo prazo boas possibilidades de alcançarem melhores rendimentos.
1 - Tudo às claras
Em dezembro de 2009, o órgão responsável pelo controle administrativo do Judiciário baixou a resolução 102 e regulamentou a divulgação de informações orçamentárias e financeiras dos tribunais na internet. Os órgãos, por meio de um link chamado ;Transparência;, publicam em detalhes os gastos e os valores desembolsados por mês e por ano com pessoal, investimentos e custeio. A privacidade dos servidores é preservada, mas a pesquisa permite ao cidadão conhecer em profundidade como cada tribunal gasta com salários.