Jornal Correio Braziliense

Economia

Calote de empresas coreanas a Receita Federal chega a R$ 1,8 bi

Um dos mais rumorosos casos do mundo dos negócios envolvendo prisões no Brasil e no exterior, tráfico de influência e uma dívida de R$ 1,8 bilhão junto à Receita Federal está prestes a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por trás da sentença, pode estar um dos maiores golpes empresariais da história do país, no qual a companhia coreana Kia Motors Corporation alega ter sido vítima de dois empresários brasileiros e um coreano.

Por enquanto, o único verdadeiro prejudicado é o governo, que deixou de receber um valor suficiente para construir 40 mil casas populares. Como ninguém admite pagá-la, a dívida fiscal ameaça virar pó, assim como ocorreu com a promessa de milhares de empregos, especialmente na Bahia, onde seria instalada uma fábrica da montadora coreana.

O processo, que tramita na Justiça há quase uma década, oferece exemplos de gangsterismo, por meio de golpes que combinam oportunismo, leis frouxas e controles ineficientes de uma administração pública lerda. Não é à toa que, na defesa e na acusação, atuam dois dos maiores escritórios de advocacia do país, o de Sérgio Bermudes e o de Arnold Wald.

No centro do imbróglio está o coreano Chong Jin Jeon, que vivia no Brasil e era um dos donos de 49% da Asia Motors do Brasil (AMB), com os brasileiros Washington Armênio Lopes e Roberto Uchoa Neto. Em meados dos anos 1990, os três empresários formaram uma joint-venture com a Kia Motors e aproveitaram as benesses concedidas pelo recém-lançado regime automotivo para despejar no mercado mais de 70 mil vans Towner e Topic.

Os veículos eram importados com desconto de 50% nos impostos. Tal benefício fiscal estava condicionado, porém, à construção de uma fábrica no Brasil, projeto que foi anunciado, mas jamais saiu do papel. Por isso, o governo brasileiro quer de volta os impostos não pagos, cujo valor inicial inscrito na dívida ativa da União em 2003 era de US$ 217 milhões. Atualmente, por causa das multas e juros, o valor já ultrapassa US$ 1 bilhão, segundo um representante da Kia Motors.

Árbitro externo
Quem já atrasou o pagamento de uma conta de IPVA ou IPTU deve achar surpreendente o fato de essa dívida fabulosa não ter dono até agora. Ocorre que a Kia Motors e os empresários brasileiros culpam uns aos outros pelo fato de a fábrica na Bahia(1) ter ficado na promessa. Para os donos da Asia Motors do Brasil, a Kia e a sua controladora desde 1998, a Hyundai, são responsáveis pelo débito por terem desistido da unidade brasileira.

Os coreanos, por sua vez, alegam que jamais assumiram, de fato, o controle do empreendimento, mesmo quando aportaram mais de US$ 250 milhões na Asia Motors do Brasil. De acordo com a Kia, os empresários brasileiros simplesmente embolsaram o dinheiro e se mantiveram donos da empresa no país, algo que inviabilizaria a sua entrada por aqui. ;Não foi a Kia que fez as importações dos veículos. A Kia foi impedida de construir a fábrica porque não recebeu o controle do empreendimento;, afirma Daniel Cho, representante da empresa no Brasil.

Para se livrar da megadívida com a Receita, a Kia espera que o STJ homologue a sentença do Tribunal Arbitral Internacional que a favoreceu. Se isso ocorrer, a empresa promete que, desta vez, aplicará o mesmo US$ 1 bilhão para instalar uma fábrica no Brasil.

1 - Tema presidencial
Dois presidentes da República se envolveram, direta ou indiretamente, na disputa entre a Kia e a Asia Motors. Em 1998, Fernando Henrique Cardoso participou do lançamento da pedra inaugural da prometida fábrica das montadoras na Bahia ; no local, funciona uma unidade da Ford. Menos de 10 anos depois, em 2007, Lula inaugurou a fábrica da Hyundai, controladora da Kia, em Anápolis (GO), a 160 quilômetros de Brasília.