Jornal Correio Braziliense

Economia

Combustíveis do crescimento perdem força

Emprego, renda e crédito devem continuar em alta, mas em ritmo menor, o que será positivo para a sustentação do país

Em um cenário de acomodação do crescimento econômico, alguns dos combustíveis que fizeram o país bater todos os recordes de expansão no primeiro trimestre tendem a perder força ao longo de 2010. Emprego, renda, crédito à pessoa física, financiamento às empresas, liberação de recursos por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que funcionaram como pilares do Produto Interno Bruto (PIB) entre janeiro e março, continuarão a mover as demais engrenagens, só que em uma intensidade menor. Analistas dizem que será justamente essa moderação que permitirá ao Brasil sonhar com novos saltos a partir de 2011.

Nos últimos anos, as porteiras do crédito foram escancaradas. O consumidor e as companhias, que não estavam acostumados com tanta fartura, ampliaram fortemente seus níveis de endividamento. Nesse embalo, cresceu 17% a quantidade de financiamentos das pessoas físicas entre maio do ano passado e abril de 2010. O setor produtivo ficou pouco abaixo: 15,8%. Juntos, esses segmentos somaram, em abril, R$ 1,4 trilhão. Tanto dinheiro foi convertido em investimento, vendas e compras e, apesar do cenário de desaceleração previsto para os próximos meses, o Brasil ainda tem fôlego para ampliar o endividamento em alguns segmentos.

A parcela da população com renda acima de R$ 10 mil mensais dá sinais de que não consegue contrair mais dívidas. Por dois meses consecutivos, conforme dados da Serasa Experian, esse grupo de pessoas, que liderou a busca por recursos no fim da crise financeira, registrou recuo na demanda por crédito. Em abril, a retração foi de 6% frente a março. Em maio, de 4,5% contra o mês anterior. Os financiamentos para veículos também se encaixam entre os segmentos que se aproximam de um limite. ;Em algumas modalidades, para alguns bens duráveis, como veículos, está bem próximo de um limite, com um potencial de expansão menor que o restante dos outros segmentos;, diz Ricardo Denadai, economista do Asset Management do Santander.

A acomodação do emprego também é algo aguardado pelos analistas. Como o mercado de trabalho reagiu de forma vigorosa no pós-crise, a expectativa é de que as vagas continuem sendo abertas, mas em ritmo mais contido do que no início do ano. Ainda assim, a previsão do governo é que 2,5 milhões de vagas com carteira assinada sejam criadas até dezembro. O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, explica que o PIB nos três primeiros meses de 2010 bateu em 9% porque as condições econômicas e internacionais eram outras. Segundo ele, com a mudança de cenário, é natural e até positivo que a aceleração perca força.

Oliveira destaca que a realidade daqui por diante será outra, influenciada pela alta dos juros básicos (Selic), em especial. ;Vamos continuar crescendo, mas de forma mais moderada. O emprego e a renda vão continuar em situação muito boa, o que motivará os bancos a continuar a alavancar o crédito. Tudo isso vai acontecer, mas em uma intensidade mais moderada;, justifica. O especialista adverte que não basta crescer muito agora para mais tarde o Banco Central ter de aumentar fortemente os juros para conter a inflação. Para a economista Marianna Hanson, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o nó está na relação crédito e juros. ;Dá um frio na barriga pensar nesses recursos emprestados a um custo tão alto;, justifica.

Obstáculos
Se os incentivos a um PIB robusto já atingiram o limite ou estão próximos disso, outros obstáculos mais urgentes são apontados como freio à expansão exagerada. A baixa formação de poupança ; em torno de 15% do PIB é um obstáculo. ;Para crescer, precisamos importar poupança, buscar produtos no exterior para suprir nossas necessidades e captar investimentos externos. A demanda por recursos está crescendo mais do que o PIB avança. Isso não se sustenta no longo prazo;, lembra Marianna.

O BNDES acredita em uma espécie de ;divisão de responsabilidades; e aposta que agentes privados retomarão o financiamento da produção. Para enfrentar a crise, o banco foi capitalizado com a injeção de quase R$ 200 bilhões. Os recursos sustentaram a produção no período mais crítico. Agora, diante das previsões de arrefecimento, a procura será atendida de acordo com as necessidades.

;O país deve demandar recursos adicionais, mas a expectativa do BNDES é de que o setor privado e o mercado de capitais possam contribuir com uma parte importante desse financiamento. Dessa forma, a oferta de crédito tende a crescer, embora o BNDES provavelmente permanecerá num patamar semelhante ao atual, dado o crescimento da oferta de crédito por parte dessas outras fontes;, informou a instituição em nota enviada ao Correio.

JUROS NAS ALTURAS
O arrocho monetário proporcionado pelo Banco Central começa a surtir efeito na economia real. Segundo levantamento da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), as taxas de juros para os consumidores e para o setor produtivo registraram a terceira alta consecutiva no ano. Para as pessoas físicas, a elevação foi de 0,09 ponto percentual entre fevereiro e maio. Para as jurídicas, 0,08 ponto percentual. O cartão de crédito continua como o vilão entre as modalidades de financiamento. Para os que entram no pagamento mínimo, os juros mensais são de 10,68%, podendo chegar a 237,99% no acumulado de 12 meses.

Ouça entrevista com Miguel de Oliveira, da Anefac, sobre previsões de crescimento moderado