Crixás (GO) ; A ambição das empresas Anglo Gold Ashanti, da África do Sul, e Kinross Gold Corporation, do Canadá, pelas minas de Serra Grande, em operação no Norte goiano, pode ser medida pelos planos de investimentos na exploração de ouro. Apenas nos últimos três anos, os desembolsos totalizaram R$ 323 milhões, sendo R$ 100 milhões apenas para o aumento da capacidade de produção.
;Hoje, a atratividade do nosso negócio é pelo menos cinco vezes maior do que há cinco ou seis anos;, explica Camilo de Lelis Farace, gerente-geral de operações da Mineração Serra Grande, associação operada pela Anglo Gold e a Kinross. Ele conta que, motivado pela alta do preço da onça troy (barra de 31 gramas), que saltou de US$ 272, em 2001 para US$ 1.212, em 26 de maio último, o conglomerado apostou pesado na expansão da unidade de Crixás, município distante cerca de 350km de Brasília.
Com os investimentos, a retirada de minério lavrado (rochedo que contém ouro) das três minas operadas pelas multinacionais saltou de 800 para 1,150 milhão de toneladas em 2009 ; alta de 44%. Serra Grande faz parte do grupo de empresas que têm a rentabilidade condicionada à valorização do metal nos mercados financeiros, por explorar minas de baixo teor aurífero. Nesses lugares, o ouro não aparece em pepitas, mas em blocos de minério lavrado. Cada tonelada do pedregulho contém cerca de cinco gramas do metal.
Ainda assim, somente nos últimos 10 anos, a quantidade de ouro retirada das três minas de Serra Grande foi de 57,64 toneladas. A cada ano, porém, a extração fica mais difícil, e é preciso cavar mais para localizar o minério. Em uma das minas, a profundidade chega a 700 metros. E quanto mais se avança, mais caro é o custo de extração. ;Não há espaço para aventureiros nesse negócio. A ilusão de que tudo é lucro desaparece quando você põe na ponta de lápis as despesas de se manter uma mina subterrânea;, conta Farace.
Planos revistos
Normalmente, manter uma mina subterrânea chega a custar duas vezes mais do que uma a céu aberto, o que inviabiliza a atividade de garimpos, como ocorreu nas primeiras corridas ao ouro no Brasil. Essa é a razão de, agora, a exploração estar condicionada a grandes investimentos de empresas estrangeiras. Estima-se que o aporte em projetos para extração de ouro no Brasil entre 2010 e 2014 deva ficar em US$ 1,7 bilhão, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
;No ano passado, ainda em meio à crise, os mesmos empresários diziam que os planos para o exercício 2009-2013 eram investir US$ 1 bilhão, valor 70% menor do que a estimativa atual;, diz o gerente de dados econômicos do instituto, Antônio Lannes. ;O que temos percebido é que essa elevação bastante significativa no preço do ouro tem viabilizado a implantação de grandes projetos de extração no Brasil, o que deve se manter caso as cotações continuem favoráveis;, conta.
Garimpo resiste
Do sonho de ascender socialmente, conquistar belas mulheres e enriquecer, a maior parte dos garimpeiros que ainda hoje cavam o chão em busca de ouro só guarda a boa lembrança. ;Aqui, a gente bate a terra para sobreviver;, diz Paulo Alves dos Santos, 47 anos, 20 dos quais vividos no garimpo de Lavras, distante cerca de 15km de Crixás. O pequeno povoado que um dia hospedou uma horda de 12 mil homens tomados de ambição é, atualmente, cenário de desolação. Do progresso que um dia existiu ali, restou apenas uma meia dúzia de barracos de madeira, construções inacabadas de alvenaria e um pequeno mercadinho que provém a subsistência dos garimpeiros.
Nem sempre foi assim. ;Aqui tinha de tudo: quatro açougues, uma delegacia, uma farmácia e um amontoados de barraquinhas de roupas e comida. Até cinema tinha em Lavras. Hoje não tem nada;, constata Silvano Antônio de Araújo, o galego, 35 anos, um dos 147 garimpeiros que ainda hoje residem no povoado e para quem a sorte se esqueceu de sorrir. ;Quem continua aqui não desiste por falta de opção do que fazer. Garimpeiro só sabe garimpar;, afirma.
Divino Francisco de Lima, 46 anos, atribui ao acaso o sucesso e o fracasso no garimpo. ;Depende da sorte. Em épocas boas, chega-se a tirar de 200 a 300 gramas de ouro por semana. Só que tem semana que não se consegue tirar nada. Aí é só prejuízo;, diz. Atualmente, a forma mais fácil de repassar o ouro extraído dos garimpos é revendê-lo, ainda em pó, a intermediários, que pagam entre R$ 52 e R$ 60 por grama. Após o processo de fundição, o metal é transformado em uma barra, chamada de onça troy. Nas primeiras semanas de maio, por conta da crise na Zona do Euro, o metal chegou a encostar nos US$ 1.250. No Brasil, o grama do ouro atingiu, em 11 de maio, o valor mais alto da história: R$ 75,50.
Forasteiros
O movimento de alta do ouro também motivou a reabertura de garimpos, apesar de a rentabilidade das minas estar diminuindo com o passar dos anos. O mecânico Cláudio de Macedo, 39 anos, trocou um salário de R$ 800 em uma oficina por uma promessa de participação nos lucros na exploração de uma frente de trabalho em Lavras. ;Por enquanto, estou ganhando R$ 150 por semana. Mas isso vai aumentar na medida em que começar a aparecer o ouro;, diz.
Até agora, a frente de trabalho em que Cláudio presta serviço só recolheu pedregulhos que serão moídos em um triturador. Os dejetos passarão por uma pequena rampa de metal e serão despejados em uma esteira de carpete, onde será possível distinguir o ouro dos demais minerais. Em seguida, o material é levado para uma espécie de bandeja de alumínio, a bateia, onde o ouro será lavado com detergente, limão, água sanitária e mercúrio. Mas o processo, rudimentar, não tem qualquer preocupação com o meio ambiente. O mercúrio, altamente tóxico, se infiltra na terra, contaminando rios e o lençol freático.
Cada garimpeiro tem uma função nas frentes de trabalho ; cada uma costuma ter quatro pessoas. Nas operações mais modernas, há um quinto funcionário. Essa pessoa fica responsável por manusear o guindaste usado para retirar pedregulhos de dentro de fossos de até 100 metros de profundidade, buracos abertos para que os garimpeiros possam abrir galerias.
Acidentes
No garimpo, histórias de descobertas misturam-se a tristes relatos de acidentes de trabalho. Alguns deles, fatais. ;Há alguns anos, morria pelo menos um garimpeiro por mês, e quase todos os dias tinha alguém que se machucava feio;, recorda Leiliane Fátima Silva, 31 anos. ;Quando tinha três meses, meus pais foram tentar ganhar a vida e me levaram junto. E aqui estou desde então;, conta. Ela lembra ter visto mortes, sobretudo em soterramentos de terra e em desabamentos de frentes de trabalho.
1900
Decadência da exploração em larga escala do garimpo de ouro no Brasil, que perde a liderança na produção mundial para a África do Sul.
1960
Início da pesquisa geológica a serviço da produção de ouro, que culmina nas descobertas de minas em Crixás (GO), em Serra Grande, e em Barrocas (BA), por meio da mineração Fazenda Brasileiro.
1980
Após a descoberta de ouro em Carajás, milhares de brasileiros migram para o sul do Pará, transformando Serra Pelada no maior garimpo a céu aberto do mundo. Estudos indicam que o volume de ouro retirado a cada ano durante a exploração em Serra Pelada chegou a 10 toneladas. Mas acredita-se que esse número correspondia a apenas 50% do que realmente era extraído.
1984
Início da exploração em Morro do Ouro, em Paracatu (MG).
Apesar de ter um grande potencial mineral, o local guarda uma característica peculiar. É a mina com o mais baixo teor de ouro em todo o mundo, gerando menos de 0,5 grama por tonelada de rocha extraída.
2010
Valorização recorde do ouro incita nova corrida pelo mineral. Procura maior pelo ouro como proteção ante as recentes crises estimula a reativação de projetos que haviam sido interrompido por conta do longo período de preços baixos do metal. Multinacionais anunciam megaplanos de investimento para exploração de ouro no país e o garimpo de Serra Pelada é reaberto.