A Petrobras, maior empresa da América Latina, terá que explicar ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma situação no mínimo incomum: como foi capaz de pagar cerca de R$ 600 milhões em uma obra orçada em R$ 825 milhões, só porque ela ficou parada por causa das chuvas. O pagamento indenizatório do chamado ;índice de chuvas; foi descoberto na terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí , onde a estatal levanta uma refinaria de petróleo, um polo petroquímico e um parque industrial . Todo o empreendimento deverá consumir R$ 8,4 bilhões e é um dos maiores do mundo no setor.
O TCU ainda prepara o relatório sobre as irregularidades que, nas próximas semanas, deverá ser submetido ao plenário. O que os técnicos descobriram até agora é preocupante: o tal ;índice de chuvas; previsto em contrato com as empreiteiras só existe nos fechados com a Petrobras. Ao Correio, um importante técnico do governo disse estranhar o fato de ;só chover; em obras da empresa. E mais: os desembolsos às construtoras não só não batem com os índices pluviométricos das instituições oficiais como são totalmente divergentes.
Para o mesmo técnico, o que se pode dizer depois de se deparar com o ;índice de chuvas; é que se trata de uma ;tremenda cara de pau;. Diante disso, segundo ele, fica difícil entender porque a estatal reclama tanto de o TCU não aceitar as suas justificativas, quando questionadas sobre as obras que está executando.
Divergências
Por meio da assessoria de imprensa, a Petrobras, que é presidida por Sergio Gabrielli, argumenta que há divergências técnicas entre as metodologias adotadas pela empresa e pelo TCU. E assinala que o próprio Tribunal já reconheceu em relatório que o valor do contrato de terraplanagem ;é altamente competitivo, resultando em um desconto para a Petrobras da ordem de R$ 75 milhões;. De acordo com a estatal, o objetivo com a aplicação desse procedimento é ressarcir somente o valor exato do impacto da chuva no serviço executado. ;Além disso, este procedimento permite que, na licitação, as empresas concorrentes apresentem suas propostas com base nos mesmos critérios, sem embutir no valor os riscos com as chuvas, garantindo a igualdade na análise;, afirma nota.
Em setembro do ano passado, os ministro do TCU haviam aprovado relatório que denunciava a indenização constatada por uma auditoria realizada durante o mês de junho. Na ocasião, os ministro mandaram a Petrobras fornecer mais informações depois que os técnicos do Tribunal verificaram o pagamento de R$ 151 milhões de ;índice de chuva;, valor que superava o montante previsto para a toda a verba indenizatória (R$ 130 milhões) da obra de terraplanagem. E isso quando a execução física da obra não havia ultrapassado 27%. Pelo cronograma original a obra já deveria estar concluída naquela ocasião.
;Não é de se estranhar que apenas 26,86% dos serviços tenham sido executados no período de vigência contratual. Afinal, o consórcio (que toca as obras) está auferindo lucro muito superior com a indenização prevista na verba indenizatória do que auferiria para executar a obra;, afirmava o relatório.
Trégua com TCU
A menos de um mês do início da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias pelo Congresso Nacional, o governo federal decidiu fazer as pazes com o Tribunal de Contas da União (TCU), que desde o ano passado vem sofrendo críticas severas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Desta vez o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, entrou em campo e assegurou que o governo vai retirar o Artigo 95 da proposta da LDO que, de acordo com analistas, praticamente eliminava o poder do Tribunal de sugerir ao Congresso a paralisação de obras irregulares.
Por trás da trégua com o Tribunal existe o interesse do governo de estimular as contratações de grandes obras baseadas em preço global e não mais por unidades, como se tornou a regra no setor público. Esta modalidade de aquisição de serviços, pela qual o gestor acompanha a execução do contrato por etapas e não pela quantidade de cada insumo ou produto utilizado, pode tornar mais rápido o andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Temores
Esta forma de contratação já é contemplada pela Lei de Licitações, mas os gestores públicos temem adotá-la com medo do TCU puni-los com base na fiscalização de cada produto contratado. O Tribunal já deixou claro que apoia a iniciativa do governo, mas alerta que os preços globais podem escancarar as portas para os esquemas de superfaturamento, pois os gastos vão depender da qualidade dos projetos apresentado.
De acordo com um dirigente do TCU, o setor público, na prática, não tem como elaborar projetos mais consistente. ;Com isso pode haver conluio com quem vai fazer a obra para que sejam apresentando projetos ruins que serão revistos a todo momento, ampliando ainda mais o valor das obras;, afirmou. (MG)