Jornal Correio Braziliense

Economia

Corte de R$10 bilhões é feito para segurar os juros

Governo decide reduzir mais uma vez o orçamento na tentativa de reverter o superaquecimento da atividade, a alta da inflação e a subida da Selic. Analistas acreditam que pode ter sido tarde demais

Numa tentativa de frear a inflação, impedir novas altas na taxa básica de juros (Selic) e salvaguardar o crescimento sustentado, o governo vai fazer um corte adicional de pelo menos R$ 10 bilhões nas despesas de custeio de ministérios e empresas estatais. Ao botar a política fiscal para caminhar na mesma direção da monetária, a equipe econômica quer evitar que um choque de juros possa chamuscar os planos eleitorais da pré-candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff. É a segunda ofensiva nesse sentido no ano. Em março, o orçamento foi podado em R$ 21,8 bilhões. Analistas ouvidos pelo Correio, porém, não acreditam que a medida será bem-sucedida.

;É, sem dúvida, um bom sinal, mas é difícil acreditar que isso vá, de fato, alterar a inflação neste ano. O quadro já está dado;, avaliou o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Os cortes foram anunciados ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que ressaltou as vantagens da iniciativa fiscal no combate à alta de preços. ;Tira a disponibilidade de o ministério fazer gastos. Quando você eleva a taxa de juros, ela demora até seis meses para fazer efeito, desestimular o investimento, a fábrica interromper aquilo que está fazendo. O corte de despesas é imediato;, disse.

O Banco Central (BC) sempre se queixou das dificuldades geradas pela gastança do governo, que estimula o consumo global, pressionando os preços para cima. Como não houve contribuição da política fiscal, o Comitê de Política Monetária (Copom) se viu obrigado a elevar a Selic de 8,75% ao ano para 9,50% para fazer o índice oficial de inflação convergir para o centro da meta, que é de 4,5%. As estimativas dos cerca de 100 analistas ouvidos semanalmente pelo BC, que vêm aumentando há 16 semanas seguidas, já apontam para 5,50%. Como há um intervalo de tolerância de dois pontos para cima ou para baixo, o teto da meta é de 6,50%. O mercado acredita que a Selic fechará o ano em 11,75%.

Preocupação

Ontem, Mantega reiterou a preocupação de que a economia esteja crescendo muito fortemente, o que pode gerar um descompasso entre a oferta e a procura de produtos e serviços. Por isso, o governo optou por reduzir seu consumo. ;A melhor maneira de jogar um pouco de água fria nessa fervura é diminuir a demanda do governo com gastos de custeio. Essa é a decisão que nós tomamos e o presidente Lula concordou;, assinalou. Segundo ele, o objetivo dos cortes não é inverter o quadro de aumento dos gastos, mas frear qualquer crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 6%. Ele avisou que a equipe econômica está autorizada a agir, caso seja necessário intervir nesse ritmo.

;Tem gente falando que o PIB vai crescer 7,5% neste ano. Eu não acredito nisso. De qualquer forma, como o governo pode fazer um papel anticíclico, não deixará um crescimento desses. Nós podemos aumentar juros, diminuir gastos e investimentos. Temos os instrumentos na mão para manter a economia crescendo de forma sustentada e equilibrada;, avisou. Nas projeções do ministro, o país cresceu entre 2% e 2,5% no primeiro trimestre, o que daria entre 8% e 10% anualizados, num ritmo chinês. Mas a velocidade deve diminuir. ;O segundo trimestre já não será tão aquecido porque já tiramos vários estímulos, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).;

O economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, não acredita que a temperatura possa cair. ;Ainda que seja positiva, a medida deve ser insuficiente para mudar a trajetória de crescimento econômico, que já está posta;, afirmou. Ela só surtiria efeito neste ano se o governo tivesse diminuído o ritmo dos gastos, em vez de aumentá-los. ;As mudanças no campo dos gastos tinham que ser feitas lá atrás. Aí, não seria necessário apagar incêndios agora;, constatou. Em março, a folha de pagamento dos servidores bateu em R$ 15,1 bilhões, uma alta de 36% em relação ao mesmo mês de 2009. Os desembolsos com custeio e capital foram de R$ 19,9 bilhões no mês, 63% maiores.

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Ouça trecho da entrevista com o ministro da Fazenda, Guido Mantega