Jornal Correio Braziliense

Economia

Brasileiros devem 40 mínimos aos bancos

No país, 25,7 milhões de pessoas têm financiamento bancário. Criação do Cadastro Positivo beneficiaria os bons pagadores com juros menores

Fruto da estabilidade econômica, a oferta maciça de crédito tem permitido que muitos brasileiros satisfaçam o grosso de seus desejos e necessidades. Dados do Banco Central (BC) mostram que 25,726 milhões de pessoas têm, hoje, algum tipo de financiamento bancário. Na média, cada uma deve R$ 20.185, o equivalente a quase 40 salários mínimos. A maior parte das dívidas se concentra no chamado empréstimo pessoal, que totaliza R$ 166,4 bilhões, dos quais R$ 111,5 bilhões se referem ao crédito consignado (com desconto em folha de pagamento) e R$ 54,9 bilhões, às operações tradicionais, com débito em conta-corrente ou mesmo em carnês. Logo a seguir, aparecem os financiamentos de veículos (R$ 91,1 bilhões) e os da casa própria (R$ 81,7 bilhões).

Essa radiografia do endividamento dos brasileiros funciona como uma espécie de Cadastro Positivo elaborado pelo BC. Mas, apesar da consolidação dos números, o detalhamento só é possível para débitos superiores a R$ 5 mil. Ou seja, o BC sabe claramente quanto os brasileiros devem. Contudo, o perfil mais claro das dívidas ainda está restrito aos clientes do sistema financeiro com maior poder aquisitivo, motivo pelo qual bancos e comércio vêm pleiteando a aprovação do projeto que institui no Brasil o cadastro positivo, que englobará não só os créditos fornecidos pelo sistema financeiro, mas os ofertados por todos os segmentos da economia. E melhor: permitirá uma rápida identificação dos bons pagadores, que tenderão a ser beneficiados por taxas de juros menores.

O sistema do BC é conhecido como Central de Risco de Crédito (SCR). Por ele, transitam 86% do volume em reais das operações de crédito no país ; uma enormidade. As instituições financeiras informam ao BC todos os dados de seus clientes, como total da dívida vencida e a vencer e o percentual eventualmente dado como prejuízo. As informações permanecem no sistema por cinco anos.

Apesar de reconhecer o SCR como um avanço, o presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Júnior, reclama que os dados estão restritos aos bancos e não pegam todo o universo de clientes, como os de menor renda, que compram bens de baixo valor a prazo e são justamente os que mais têm se beneficiado da expansão do crédito. Para ele, é vital que o Congresso aprove o cadastro, dando aos agentes econômicos uma importante ferramenta para tratar melhor os bons consumidores.

Sigilo
Pellizzaro afirma que, dada a dimensão atual da economia brasileira e o seu potencial de crescimento puxado pelo crédito, o país não pode mais se privar do cadastro positivo, que já foi adotado em muitos países e resultou em uma queda significativa nos juros. A seu ver, não há motivo para ser diferente no Brasil. Mesmo a questão do sigilo, que os contrários ao cadastro positivo apontam como um dos principais empecilhos para a aprovação medida, pode ser resolvida com a anuência expressa do consumidor.

;O cliente terá que autorizar o acesso aos dados. Ele perceberá que pode tirar proveito disso, pagando menos nos empréstimos;, afirma. ;Ou a pessoa concorda ou vai pagar pela média de juros do mercado, mais elevada.; Também será importante para o comércio, na sua visão, ter acesso a informações do consumo de água, de luz, de telefone e de outros serviços, de forma que se possa detectar a renda dos consumidores que não possuem contracheque.

Segundo o BC, na Central de Risco de Crédito, o maior percentual dos clientes do sistema financeiro é de bons pagadores. ;O número de pessoas que pagam as contas em dia é bem superior ao das que não pagam;, diz um técnico da instituição. Os dados do SCR são acessados pelos bancos, desde que os clientes concordem. Nas informações agregadas, por exemplo, sem identificação de ninguém, é possível saber que as operações até R$ 5 mil, que não são discriminadas, somavam, em fevereiro deste ano, R$ 179,6 bilhões. Já as transações entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão eram de R$ 6,6 bilhões.

Limite
O BC admite que, para ter uma visão mais completa do mercado de crédito do país, já pensou em baixar o limite de R$ 5 mil para R$ 1 mil. Mas essa ideia foi deixada de lado porque multiplicaria por seis o volume de operações captadas e transformaria o banco de dados, que já é grande, num megacadastro. ;Não teríamos condições operacionais para mexer em algo dessa magnitude;, alega um técnico. Para o BC, o cadastro atual funciona perfeitamente, pois o objetivo da instituição é medir a qualidade do crédito que é concedido pelo sistema financeiro e, com isso, aferir a saúde dos bancos.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informa, porém, que negocia com o alto escalão do BC baixar o limite do SCR para operações a partir de R$ 100. ;Há tempo estamos trabalhando junto ao BC para que o piso do SCR caia para R$ 100;, diz Antônio Carlos Negrão, diretor de Assuntos Jurídicos da Febraban. A medida, segundo ele, incluiria 85% da quantidade de operações hoje fora do banco de dados por serem de pequeno valor.

Tratamento diferenciado

Estudos da Serasa Experian revelam que, se aprovado, o Cadastro Positivo poderia incluir 26 milhões de brasileiros no mercado de crédito. Os maiores beneficiados seriam os que recebem entre R$ 500 e R$ 1 mil por mês, com ou sem renda declarada. O projeto que cria o instrumento, em análise no Congresso, pode fazer com que os bons pagadores tenham um tratamento diferenciado na hora de comprar qualquer produto à prestação ou fazer algum empréstimo, como taxas de juros mais baixas e prazos maiores de pagamento. Mas ainda não saiu do lugar. Falta acordo entre os parlamentares sobre o sigilo das informações e a quem caberia gerir o banco de dados.

O cadastro listaria todas as pessoas que cumprem os compromissos financeiros em dia. O oposto do que se tem hoje, que inclui somente os inadimplentes. As discussões sobre o assunto criaram um confronto de ideias entre os que o consideram o melhor instrumento para premiar o bom pagador e baratear o crédito e os que o acusam de invasão de privacidade e de ser perverso, pois manteria o consumidor subjugado às vontades de bancos e comerciantes.

Estão a favor da criação do cadastro as instituições financeiras, os órgãos de proteção ao crédito e os varejistas. As entidades de defesa do consumidor e alguns parlamentares se posicionam contrariamente. O presidente do Instituto de Estudos e Pesquisas do Consumidor (IBDEC), advogado Geraldo Tardin, é um crítico ferrenho do projeto. Ele não acredita que o banco de dados possa, no futuro, reduzir os juros e os spreads bancários (diferença entre a taxa que as instituições financeiras cobram dos clientes e o que pagam aos investidores).

Refém
;Esses benefícios não estão assegurados em nenhum documento. Quando o governo reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados e os compulsórios (quantias que os bancos depositam no Banco Central como seguro contra crises), os juros aos consumidores não se mexeram. O que comprova a má vontade dos comerciantes e do sistema bancário;, aponta Tardin.

O pior que pode acontecer com o cadastro positivo, na avaliação do presidente do IBDEC, é tornar-se coercitivo. A princípio, o consumidor só terá seu nome incluído se quiser. Mas corre o risco de, não concordando, ser recusado na hora da compra. Nesse caso, o cliente bancário viraria refém do instrumento. ;É uma faca de dois gumes. Os bancos e os grandes varejistas têm poder suficiente para pressionar até que a pessoa, cansada, comece a ceder;, afirma. (VB e VC)