Marcar uma consulta no pediatra para Luisa Pimentel Horta, 3 anos, é um desafio para a mãe, Mariana Pimentel, 30 anos. A funcionária pública tem dificuldades em encontrar data disponível na agenda do médico usando o plano de saúde, em especial quando é uma urgência. ;Prefiro recorrer aos prontos-socorros a ligar para o médico, que não tem como me atender de imediato;, lamenta. O que a deixa razoavelmente tranquila é o fato de a filha não ter necessidade de nenhum acompanhamento constante. ;Ela tem uma boa saúde e não exige tantos cuidados;.
O duelo com os planos de saúde começou antes mesmo de Luisa nascer. Até encontrar um profissional que a atendesse por toda a gestação, Mariana descobriu como funcionavam as negociações no consultório. ;Os ginecologistas até fazem as consultas de pré-natal, mas é preciso combinar um valor extra para o parto;, diz, informando que é uma prática comum em Minas Gerais, onde morou na época em que estava grávida. Lá, um parto normal custa de quatro a cinco mil reais. No caso de cesariana, os custos são cobertos pelas administradoras, exceto os de auxiliares, como os anestesistas. ;Eles alegam que não há profissionais credenciados em número suficiente;.
Ilusão
Mariana reclama que não há para onde correr. ;O SUS não nos atende como determina a Constituição e nos resta pagar o plano de saúde, serviço com que não se pode contar de verdade;. O desabafo é fortalecido pelo presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédicos), Marco Gutenberg Fialho. ;O cidadão é refém de um sistema público que o despreza e de um sistema suplementar que o ilude;, diz. Na opinião do médico, a categoria de profissionais fica no meio do tiroteio, dividido entre prestar um bom serviço e manter o consultório funcionando. ;Para o médico, não vale a pena fazer parte de um plano de saúde. Quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reajusta a tarifa, os valores não são repassados para os profissionais;, reclama.
Ao contrário do que alegam as administradoras, Fialho acha que não há nenhuma crise no sistema. ;Os planos estão em expansão, faturando cada vez mais;, argumenta. Ele cita que é comum o médico precisar de procedimentos e exames que estão fora da cobertura. ;Precisa fazer uma cirurgia, um exame e o plano não autoriza. O médico fica com o problema na mão;, comenta o presidente do Sindmédicos que acrescenta, ainda, ser essa uma deficiência da ANS. ;Eles (ANS) não podiam autorizar a criação de pacotes que não atendem, de fato, ao que o paciente precisa;, queixa-se Marco Fialho.
Os pagamentos aquém dos valores adequados à prestação de serviços fizeram o ginecologista Ricardo Lima desistir, há duas décadas, de atender pelas administradoras. Ele garante que, com o passar do tempo, os problemas que os médicos enfrentam não mudaram. ;O que eles (planos de saúde) pagam mal cobre as despesas de manter o consultório. Já era assim há 20 anos e não vi mudanças;, constata. Especializado no tratamento de câncer, Lima frisa que seria impossível sobreviver se não recebesse diretamente dos pacientes. ;Imagine que cobro R$ 3 mil em uma cirurgia de câncer no colo do útero, que dura pelo menos quatro horas, e o plano iria pagar R$ 1 mil;, exemplifica.
Qualidade ameaçada
De acordo com Marco Fialho, os problemas nas agendas de pediatras, ginecologistas e outros profissionais têm uma explicação. ;Recebendo R$ 40 por consulta, o médico tem que atender mais pacientes por hora e se alternar entre aqueles vindos de planos de saúde e os atendimentos particulares;, afirma. Inevitavelmente, a qualidade fica sacrificada. ;Gastando 15 minutos por paciente, em vez de meia hora, como esperar um bom atendimento?;, questiona Ricardo Lima.
O Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) diz que o Código de Defesa do Consumidor(1) condena a separação dos pacientes de acordo com a relação que o médico tem com a administradora, conhecidas como listas múltiplas. ;Se o médico escolhe se associar a um plano de saúde, ele não pode fazer distinção entre os pacientes. Deve existir uma única lista de atendimento;, alerta o consultor jurídico da entidade, Rodrigo Daniel dos Santos. ;Casos como esses devem ser denunciados para o Conselho de Medicina e para o Procon;.
1 - Prática abusiva
O Código de Defesa do Consumidor não trata, em separado, da relação de consumo entre pacientes e planos de saúde. Mesmo assim, o consumidor está protegido na oferta dos serviços. A lei considera prática abusiva ;recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque (no caso, da possibilidade de atendimento), e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;. Em caso de descumprimento, a legislação prevê multa de R$ 212 a R$ 3 milhões. (LN)