Jornal Correio Braziliense

Economia

'O BC não precisa provar nada'

Presidente da instituição rebate as acusações de que as decisões do Copom sobre a taxa de juros estão pautadas por interesses eleitoreiros

Irritado com as insinuações de que as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) vêm sendo pautadas por interesses eleitoreiros, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, usou ontem a posse de Luiz Awazu Pereira da Silva na diretoria de Assuntos Internacionais para rebater seus detratores. Ele afirmou que as decisões sobre a taxa básica de juros (Selic) são autônomas e seguem critérios estritamente técnicos. ;O BC não precisa provar mais nada para ninguém;, disse, num tom bastante acima do normal. E reforçou: ;Engana-se quem considera que possa haver mudança de orientação nesta administração. Não houve e não haverá;, numa analogia às recentes saídas de Mário Torós e Mário Mesquita do BC, considerados os dois integrantes mais conservadores do Copom.

Com esse discurso, frisando que foi a ação consistente do Copom que fez com que a surpresa inflacionária passasse a ser cada vez mais parte do passado, Meirelles reforçou as apostas do mercado de que os juros vão subir hoje 0,75 ponto percentual, dos atuais 8,75% para 9,50% ao ano. ;Tudo indica que prevalecerá a mão de ferro do presidente do BC;, disse um analista. Mas há os que acreditam na probabilidade de a Selic aumentar apenas 0,5 ponto, sinalizando um processo mais gradual no ajuste da política monetária. Uma pequena ala de economistas cogita alta de um ponto.

Prejuízos
Os rumores de que as decisões do BC passaram a ser políticas foram espalhados pelos grandes bancos, que, em março, haviam apostado na alta da Selic, mas, com a estabilidade da taxa, arcaram com prejuízos. Na visão das instituições financeiras, Meirelles teria trabalhado pesado no Copom para que os juros não mudassem, o que o ajudaria a realizar o desejo de ser o escolhido pelo presidente Lula para vice na chapa liderada pela petista Dilma Rousseff à Presidência da República. Aos responsáveis por essas insinuações, o presidente do BC respondeu que a decisão de cada diretor é tomada de forma individual, autônoma e técnica. ;O presidente do BC pode perder uma votação;, afirmou.

Para Meirelles, isso faz parte da essência da institucionalização do Copom, cabendo ao presidente do BC assegurar essa ;independência decisória de cada diretor, independentemente de egos, de personalidades ou de qualquer outro objetivo;. Vaidoso, ele não deixou de salientar que o BC hoje tem alto nível de respeitabilidade no exterior. ;O Banco Central e o Brasil estão sendo celebrados pelo seu sucesso;, observou. Diante desse sucesso, disse que um diretor que chega de fora, como é o caso do Awazu, pode até estranhar o ambiente que encontra. ;Nós vemos aqui uma discussão como se estivéssemos ainda muitas vezes em outra época;, assinalou.

O presidente do BC classificou como ;interessante; observar que mesmo medidas bem sucedidas encontram motivações negativas de um lado ou outro. ;Uma decisão foi por motivação política, outra foi para ganhar ou recuperar a credibilidade, quando na realidade o BC não precisa provar mais nada a ninguém.; No longo discurso, ele deu até a sua versão para continuar à frente do BC, quando todos esperavam que partisse para a sonhada carreira política. Meirelles afirmou que estabilidade de preços, estabilidade econômica e inflação na meta são um ativo eleitoral. No fundo, segundo ele, o que vale a pena é o resultado, o legado e o reconhecimento da população. ;Poucas pessoas entendem a decisão de terminar o trabalho e permanecer no BC.;

Aposta

Boa parte do mercado acredita em alta de 0,75 ponto na taxa Selic

No bolso do cidadão

Vera Batista

A alta da taxa básica de juros, a Selic(1), seja ela qual for, irá afetar diretamente aquele que, no final das contas, paga a fatura: o cidadão. Ansiosas, as instituições financeiras não esperaram os resultados de hoje da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, e já começaram a repassar o custo do dinheiro para o consumidor. ;Estão repassando a expectativa de aumento. Itaú e Bradesco, por exemplo, elevaram os juros em 0,8% por conta dos efeitos futuros;, disse René Garcia, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os cálculos demonstram como o Brasil, apesar dos significativos avanços, ainda está longe da serena realidade internacional. Muitas vezes, o cidadão carrega o fardo dos juros altos sem saber. Na compra de um carro popular em 60 prestações, por exemplo, se os juros subirem 0,5 ponto percentual, a prestação mensal fica R$ 7,26 mais cara por mês ou R$ 435,60 no total. Caso a elevação seja de 0,75 ponto, a mensalidade vai para R$ 10,29 ou R$ 653,40 a mais no fim do contrato. E se for de um ponto, sobe para R$ 14,54 ao mês ou R$ 872,40 na soma geral. À primeira vista, parece pouco. Mas não é.

O comprador do automóvel que, à vista, custaria R$ 25 mil, já está pagando prestações R$ 777,79, juros de 2,33% ao mês. Ao fim dos cinco anos contratados, ele arcará com R$ 46.667,40, ou seja, pagará quase dois veículos populares (veja mais exemplos ao lado). ;O consumidor tem que ter muito cuidado e pesquisar bastante. Procurar quem ofereça mais vantagem. Quanto maior o prazo, mais caro fica o bem adquirido;, aconselhou o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro Oliveira.

Influência
De acordo com um estudo da Anefac, independentemente do tamanho do aumento, a alta pouco influirá nas operações de crédito. Otimista, Oliveira argumentou que algumas instituições, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, anunciaram que não elevarão seus juros, tendo em vista a queda na inadimplência e a acirrada competição no sistema financeiro. ;Não farão isso só porque querem preservar o cliente. E sim porque, há anos, impõem a ele uma exorbitância de juros.; Segundo ele, existe um deslocamento muito grande entre a Selic e as taxas cobradas ao consumidor que, na média da pessoa física, atingem 119,48% ao ano, provocando uma variação de mais de 1.200,00% entre as duas pontas.

Oliveira reforçou que, mesmo com os juros a 8,75% ao ano, a taxa ainda representa o menor percentual da história. De acordo com a Anefac, hoje os juros no cartão de crédito, na média, são de 10,69% ao mês, o equivalente a 238,30% ao ano. Os do cheque especial giram em torno de 7,34% ao mês e 133,96% ao ano. Garcia enfatizou ainda que os bancos estão alavancados (maior exposição ao risco), têm margem de lucro operacional de 30% ao ano, mas caso não repassem a elevação da Selic, vão ter prejuízo.

1 - Arrocho
A taxa básica de juros (Selic) é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), em média, a cada 45 dias. O comitê é composto pelos diretores do Banco Central, que, durante dois dias, discutem todos os indicadores da economia para avaliar a necessidade de arrocho no nível da atividade, o que interfere no consumo.