A União está sendo torpedeada na Justiça e ainda condenada a gastar o dinheiro dos contribuintes em ações nas quais figura como corresponsável por desrespeito a direitos trabalhistas. Os processos em que o Estado é parte são direcionados a prestadoras de serviços contratadas pelo poder público e que deixaram de pagar funcionários e encargos sociais. O problema afeta boa parte da Esplanada dos Ministérios e também empresas estatais, como a Petrobras e a Infraero, além de órgãos vinculados, como a Fundação Universidade de Brasília (UnB) e a Previdência Social, citada em uma ação trabalhista por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Um dos casos mais graves é o do Ministério da Fazenda e da Visual Locação de Serviços e Construção Civil. A empresa acusou o órgão público, durante audiência na Procuradoria Regional do Trabalho da 10; Região (PRT-10;), de ser o responsável indireto pelo atraso nos salários de secretários e de profissionais de limpeza em fevereiro e março deste ano. Segundo consta na ata da reunião, obtida pelo Correio, o responsável pela Visual, Hélder de Ávila Pimenta Vieira, afirmou que a Fazenda bloqueou créditos destinados à empresa e que, por isso, não foi possível arcar com os pagamentos.
Em nota enviada à reportagem, o ministério negou que tenha feito ;qualquer bloqueio de valores ou créditos que a empresa faça jus;. Também disse não ter tido acesso à ata da reunião. Mas esclareceu que, tão logo for possível, fará uma avaliação do documento e se a acusação se confirmar, irá encerrar todos os contratos que mantém com a Visual. ;Caso haja alguma declaração imprópria, a empresa será penalizada, sob a égide do contrato firmado.; Por fim, disse ainda que o fundo de reserva a que se referiu a empresa faz parte de todos os contratos de terceirização. ;Trata-se de uma garantia para pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados caso as empresas descumpram suas obrigações.;
De acordo com um levantamento feito pelo Correio, a Visual responde na Justiça Trabalhista do Distrito Federal a 96 processos. Na maioria, a União é intimada como corresponsável. Em duas das ações, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Serviços do DF (Sindiserviços-DF) aparece como reclamante. O restante dos processos foram iniciados por ex-funcionários que reclamam salários e benefícios sociais não pagos ao longo dos últimos seis anos. Apenas em 2009, foram abertas 51 ações. Este ano, somente até abril, já são seis processos que a empresa tem de responder.
Desperdício
Contratadas sob o argumento de reduzir custos, as empresas terceirizadas estão fazendo com que o Estado use dinheiro do contribuinte para quitar irregularidades originadas pela má gestão e que, na prática, não foram criadas pelo poder público. A necessidade de indenizar trabalhadores que não estão na folha de pagamentos do governo federal está disseminada. Em uma dessas ações, o Banco do Brasil foi condenado a pagar, ao lado da Visual, o salário de 28 dias de um funcionário, aviso prévio, férias e 13; salário proporcionais, parcela do FGTS atrasada, férias vencidas e custas judiciais do processo.
;Situações como essa se tornaram comuns na Justiça do Trabalho. O governo ou a União responde pelas obrigações trabalhistas de modo subsidiário (co-responsabilidade);, disse o juiz Francisco Luciano de Azevedo, da 3; Vara do Trabalho. ;Muitas dessas empresas prestadoras de serviço não têm lastro ou capital. Quando estão prestes a perder o contrato, se veem sem condições de cobrir as obrigações trabalhistas. Daí começam a atrasar salários e a descumprir os direitos dos empregados;, concluiu.
A situação aflige hoje quase todos os entes públicos que terceirizam serviços. Até mesmo a Fundação Universidade de Brasília (FUB), que mantém uma das melhores faculdades de direito do país, foi condenada a dividir custos de indenização com uma prestadora de serviços.
Funcionário teme quebra
Um empregado da Visual, que pediu para não ser identificado, disse estar preocupado que a empresa quebre e deixe os funcionários na mão. ;Não ia ser nenhuma novidade. A última prestadora de serviço que tinha contrato com o ministério (da Fazenda) também faliu e ninguém fez nada;, revoltou-se. Nos últimos seis anos, a terceirizada é a quinta empresa a ter contrato com a Fazenda que desrespeita os funcionários. Quase todas as antecessoras faliram e os donos desapareceram.
Em 2006, quando a prestadora era a extinta Ravelle, parte dos serviços de secretariado e limpeza ficou prejudicado por cerca de dois meses. Quase que diariamente, os terceirizados que trabalhavam no Tesouro Nacional, na Receita Federal e em outras áreas sensíveis da Fazenda faziam paralisações e protestos com o objetivo de receber vencimentos atrasados e benefícios de transporte e alimentação. Desde então, a cada um ou dois anos, situações semelhantes se tornaram recorrentes no ministério.
O mesmo trabalhador ouvido pelo Correio revelou ter tido problemas financeiros por conta de atrasos nos salários e no pagamento de benefícios. Ele apresentou uma cópia do extrato da sua conta no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). No documento constavam apenas as informações cadastrais do funcionário. Contratado desde 2006, nunca houve registro de depósito em sua conta.
Sem amparo
O mesmo problema foi relatado por outros trabalhadores da empresa no Banco do Brasil e em outros órgãos públicos. São relatos de pessoas que se acidentaram em serviço, mas que não puderam ser amparadas pela Previdência, já que a Visual, segundo as denúncias, não repassou os valores do INSS. Pesa contra a terceirizada inclusive a denúncia de que empregados com idade e tempo de serviço suficientes para se aposentar não fizeram jus ao direito em razão da falta de pagamento da contribuição social pela terceirizada. Se os empregados tentam alertar os órgãos para os quais prestam serviços, afirmam ser ameaçados pelos gestores da empresa. (DB e VM)
Memória
Abusos são corriqueiros
O Correio vem denunciando há anos os abusos cometidos por empresas terceirizadas na Esplanada dos Ministérios. Na Fazenda, os problemas são corriqueiros e se repetem a cada um ou dois anos. Desde que as prestadoras começaram a operar no poder público, foram descobertos contratos superfaturados, empresas sem capacidade financeira para honrar acordos e diversos golpes trabalhistas. Muitas dessas empresas, expostas em reportagens, tinham nomes diferentes, mas sede no mesmo lugar.
O Ministério Público chegou a obrigar o governo federal a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para substituir o máximo de prestadores por concursados, mas essa troca anda a passos lentos e quase nada mudou nos últimos anos. A última denúncia ocorreu em 19 de abril deste ano, na qual a Visual Locação de Serviços e Construção Civil, contratada pelo Ministério da Fazenda, deixou os funcionários sem os depósitos do FGTS e com salários e benefícios atrasados. (DB e VM)