A escalada de preços dos alimentos está corroendo o bolso dos consumidores e tornando ainda mais difícil o trabalho do Banco Central de manter a inflação sob controle. Em março, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), constataram-se aumentos generalizados nos preços da comida ; na média, a alta desse grupo de produtos ficou em 2,60% ; e reajustes em quase todos os segmentos acompanhados pela instituição. A subida dos preços foi tão forte que o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) (1) cravou, no mês passado, elevação de 0,86% ante o 0,68% de fevereiro.
Mais uma vez, o grande vilão da mesa dos brasileiros foi o tomate, com aumento médio de 51,15% apenas em março. Em alguns supermercados, porém, o produto dobrou de preço em relação a fevereiro, com o quilo passando de R$ 2,50 para R$ 5. A disparada foi atribuída ao excesso de chuvas, que, segundo comerciantes, está fazendo escassear a oferta de frutas, legumes e hortaliças. Com colheita menor, o pimentão amarelo está sendo ofertado em Brasília por mais de R$ 12 o quilo. Em vários pontos, já é possível notar, por exemplo, a falta de alface.
;Não tem sido normal verificarmos variações dessa magnitude nos preços dos alimentos. As mais recentes altas são influenciadas pelas mudanças climáticas e atingem principalmente os produtos in natura, mais sensíveis;, explicou André Braz, economista da FGV. No seu entender, além do excesso de água, a umidade favorece o aparecimento de fungos nas colheitas e diminui a produtividade e, em consequência, a oferta aos consumidores. Ele salientou que, enquanto o excesso de chuva perdurar ; a Agência Nacional de Águas (ANA) prevê aguaceiro no Distrito Federal até maio ;, a escassez continuará e os preços se manterão salgados.
Alta disseminada
Segundo José Carlos Damatta, engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), mesmo com a oferta restrita, a alface, item popular no almoço candango, não sumiu dos supermercados do Distrito Federal. ;Não chegou a faltar alface, mas o preço subiu muito. Além das chuvas, temos, aqui, algumas pragas, como a mosca branca, que há uns cinco anos vem dando trabalho para os produtores;, afirmou. Na Central de Abastecimento de Brasília (Ceasa), a alface chegou a ser comercializada, somente ontem, com diferença de 25% nos preços. Por causa disso, destacou Damatta, muitas famílias deixaram de comprar hortaliças e legumes.
;Tenho crianças em casa, que consomem bastante suco de frutas e folhas nas refeições. Também dou sopa com legumes e verduras para elas. Mas, com toda a oscilação de preços, está mais difícil variar o cardápio. Tenho que ficar garimpando o que está mais em conta para aliviar o orçamento;, queixou-se o servidor público André Godoy, 41 anos. Com crianças em casa, a professora Crishna Morelo, 40, disse que também está sendo obrigada a revezar os produtos. ;A inflação está pesando demais. Nos dias em que não há oferta nos supermercados, fica difícil comprar. Mas até mesmo nessas promoções os preços não estão muito agradáveis;, assinalou. O problema, segundo a professora, se torna maior porque, com criança em casa, não há como cortar certos alimentos. ;Cebola, batata e tomate, por exemplo, não dá para substituir por outros;, argumentou.
Pelas contas da FGV, em março, as hortaliças e os legumes ficaram, em média, 12,72% mais caros. Além do tomate e da alface, contribuíram para esse salto expressivo a batata-inglesa, com elevação de 12,31%; o pimentão, com alta de 27,44%; o leite tipo longa vida, com aumento de 7,98%; e açúcar refinado, que subiu 6,71%. ;Os consumidores têm razão de sobra para reclamar, pois não é somente a alta dos alimentos que está pesando no orçamento doméstico. A inflação está disseminada. Espalhou-se por todos os segmentos que têm os preços pesquisados;, alertou André Braz, da FGV.
1 - Medida ampla
O IPC-S, calculado pela Fundação Getulio Vargas, mede semanalmente as variações de preços entre as famílias com renda mensal de até 33 salários mínimos. Para formar o índice, a FGV avalia e compara o valor de 460 produtos divididos em sete categorias: alimentação, habitação, vestuário, saúde, educação, transporte e despesas diversas. Cada um desses grupos é pesquisado nas sete principais capitais do Brasil. Quando o IPC-S acumula as variações de quatro semanas, passa a ser chamado de inflação Brasil.
; ... e obriga BC a arrochar os juros
Vânia Cristino
Não vai dar para segurar. Na reunião deste mês, marcada para os dias 27 e 28, o Comitê de Política Monetária (Copom) terá que aumentar os juros. Ninguém no mercado duvida dos recados dados pelo Banco Central (BC) nesse sentido. O que se discute agora é se o BC começará o ciclo de aumento com 0,5 ponto percentual ou se acelera o passo e inicia o aperto monetário com 0,75 ponto. ;O Banco Central perdeu a oportunidade de se antecipar e agora vai ter que acelerar o passo;, afirmou o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles.
A piora do cenário foi reforçada ontem pelo relatório Focus. Pela 11; semana consecutiva, o mercado voltou a elevar a projeção para a inflação em 2010. Na nova estimativa, o Índice de
Preços ao Consumidor Amplo(IPCA) passa de 5,16% para 5,18%, se distanciando cada vez mais do centro da meta, que é de 4,5%. Pode parecer pouco, mas, há um mês, o mercado apostava em 4,99%. Mesmo para o próximo ano, quando todos esperam que os movimentos de política monetária já tenham surtido efeito, a expectativa permanece em alta, passando, de uma semana para a outra, de 4,70% para 4,74%.
;O Banco Central está um pouquinho atrasado, sim. Entre janeiro e a última reunião do Copom, o cenário piorou muito;, disse Teles. Para o analista, a última decisão do BC no mês passado ; de deixar a taxa Selic inalterada em 8,75% ; é difícil de justificar, mas a elevação da taxa este ano terá pouco ou nenhum efeito sobre a inflação de 2010. ;O Banco Central está mirando em 2011;, explicou.
A economista-chefe do ING Bank, Zeina Latif, acredita que a piora da inflação dá ao mercado a noção de que o BC perdeu a oportunidade de subir os juros no mês passado. ;Ainda que todas as informações não estivessem disponíveis, a piora já estava em curso;, observou. Para Zeina, a permanência de Henrique Meirelles no comando da autoridade monetária contribui para reduzir as incertezas e dá mais margem de atuação para a instituição.
;O BC, mesmo sem autonomia garantida em lei, conquistou boa reputação. Vai ter ruído em ano de eleição, mas não é nada dramático;, avaliou a economista.
O mercado tem claro que o BC subirá os juros em pelo menos 2,5 pontos neste ano. A margem de manobra é o tamanho desse ciclo. O aumento pode se dar de meio em meio ou com o BC pesando a mão. ;Se o cenário continuar piorando, acredito que o ciclo de aperto será mais curto;, emendou ElsonTeles.
O mercado financeiro praticamente não alterou suas projeções com relação à taxa Selic. A perspectiva do relatório Focus para o fim de abril, por exemplo, é de juros em 9,25% ao ano, o que embute a expectativa de elevação de 0,50 ponto na reunião do Copom. Para o fim de 2010, os analistas mantiveram a previsão da Selic em 11,25%, com queda para 11% ao fim de 2011. A estimativa para a taxa média de 2010 passou por leve retração, de 10,09% para10,06%, enquanto a do ano que vem continuou em 11,20%.
Entrevista com o economista André Braz