O corte de quase R$ 22 bilhões no Orçamento da União de 2010, anunciado anteontem, foi mais jogada de marketing do governo do que uma vontade efetiva de pôr freio nos gastos. Ao mesmo tempo em que acalma o mercado, ao sinalizar que cumprirá a meta de superavit primário (economia para pagar juros da dívida) de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ajudando no controle da inflação, o Palácio do Planalto continuará adoçando os eleitores ao manter o poder de fogo para tocar obras. Por meio de uma estratégia muito bem pensada, empurrou para este ano eleitoral R$ 70 bilhões em restos a pagar de projetos que tiveram recursos empenhados (garantidos) em 2009.
Ou seja, os investimentos, especialmente os de infraestrutura, não serão interrompidos quando a campanha estiver pegando fogo. Os restos a pagar transferidos para este ano são recorde histórico e representam cinco vezes mais do que o verificado em 2008 (veja quadro abaixo). Por um lado, o salto reflete o aumento dos investimentos nos últimos anos. Mas por outro, são consequência de uma execução irregular diante da dificuldade da máquina pública em contratar serviços, tocar as obras com velocidade e pagar os serviços realizados.
Como os recursos estavam inscritos nos Orçamentos de 2009 e de anos anteriores e foram empenhados, não estão sob restrições. À medida que os serviços são executados, o dinheiro é liberado. ;O corte feito no Orçamento de 2010 não gerará dificuldades nos planos de investimento porque os restos a pagar são altos e garantem a continuidade dos serviços;, admitiu ao Correio um técnico do Ministério do Planejamento, certo de que os investimentos ;deslancharão a partir de abril;.
O corte de R$ 21,8 bilhões atende a algumas conveniências. A primeira, conforme o consultor Raul Velloso, foi adequar o Orçamento à realidade. ;O Congresso inseriu despesas, via emendas parlamentares, que não constavam do projeto original. Então, serão esses os gastos eliminados. Como não existiam antes, não farão diferença. Por isso, é um corte de vento;, disse. Ele ressaltou que os restos a pagar refletem a deficiência de execução da máquina pública e distorcem o Orçamento. ;Está ficando exagerado demais.;
O contigenciamento também é conveniente porque fornece ao governo um forte mote para reforçar a mensagem de austeridade. Assim, em meio à expectativa de aumento da taxa básica de juros (Selic) em abril, em seu último ano, a gestão Lula sinaliza um freio nas despesas, de forma a não ser responsabilizada por exagero quando o próximo governo vier.
RESTOS A PAGAR
(Em R$ bilhões)
# Despesas do Orçamento de determinado ano que são transferidas para pagamento no ano seguinte
2004 - 7,2
2005 - 7,6
2006 - 12,0
2007 - 13,5
2008 - 13,4
2009 - 70,0
Fonte: Ministério do Planejamento