A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 0,78% em fevereiro, o pior resultado para este mês desde 2003. Apesar de ter ficado ligeiramente abaixo do consenso do mercado, de 0,81%, o indicador - que bateu 1,54% no ano e 4,83% em 12 meses - consolidou a forte divisão entre os analistas sobre o momento exato em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começará a elevar a taxa básica de juros (Selic): na semana que vem ou em abril.
Para a ala mais pessimista, que prega o aumento já dos juros, o BC não pode mais adiar o aperto monetário, sob o risco de incentivar o descontrole das expectativas inflacionárias, exigindo uma alta mais forte da Selic. Segundo o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho, que faz parte desse grupo, há seis semanas consecutivas as projeções dos cem especialistas ouvidos pelo BC estão se distanciado no centro da meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), devendo piorar ainda mais caso a elevação dos juros seja postergada.
"Não há mais por que o BC adiar o aumento dos juros. A demora para tomar uma decisão inevitável custará mais caro à economia", assinalou Velho. Para ele, ainda que metade do IPCA de fevereiro tenha sido sustentada por dois grupos - educação, com alta de 4,53% ou 0,32 ponto percentual do índice, e transportes, que subiu 0,79%, o equivalente a 0,15 ponto -, os núcleos da inflação, que descontam esses reajustes pontuais, que não se repetirão mais, estão elevadíssimos. Fecharam o mês em 0,51%, em média, taxa que, anualizada, chega a 6,4%, ou seja, próximo ao teto da meta perseguida pelo BC, de 6,5%.
Essa posição é endossada pelo economista Luiz Cherman, do Itaú Unibanco, que destacou ainda o fato de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ter registrado aumentos generalizados de preços. O chamado índice de difusão chegou a 59,36%. Ou seja, quase 60% de todos os itens computados pelo IBGE ficaram mais caros. Sem entrar no mérito da discussão sobre os rumos da política monetária, a gerente de índices de preços do instituto, Irene Machado, ressaltou que o quadro apresentado pelo IPCA de fevereiro "é o de uma economia em franca recuperação".
O economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto, não vê necessidade de alta da Selic na semana que vem, e chama a atenção para o uso da capacidade instalada da indústria, que se estabilizou em janeiro, ficando em 81,4%, abaixo, portanto, do pico de 83% registrado antes da crise mundial, em setembro do ano passado. "Isso significa dizer que há folga na indústria para atender à demanda", frisou. Nas contas de Neto, os juros vão subir dos atuais 8,75% para 11,25% até o fim do ano, mas não para evitar que a inflação deste ano fique acima de 4,5%, e, sim, para manter "ancoradas" as expectativas de 2011 de um IPCA no centro da meta.
Choque
Discussões de política monetária à parte, o servidor público José Júlio de Oliveira, 50 anos, foi obrigado a fazer malabarismos para equilibrar o orçamento doméstico diante do forte aumento das mensalidades e dos materiais escolares. Até o ano passado, ele gastava R$ 980 por mês com o curso de direito da filha Natália Pereira, 20. Agora, terá de desembolsar R$ 1,1 mil mensais - um aumento de 12,2%. Na escola do filho Lucas, 16, que está no ensino médio, também houve reajuste (12%). "Início de ano é sempre um desespero com mensalidades, impostos e material escolar. Se a pessoa não se programar bem, se enforca", disse Oliveira.
Aperto semelhante vive a coordenadora administrativa e financeira Rosanalha Maria dos Santos, 35 anos. Com uma filha de cinco anos no jardim de infância, viu a mensalidade da menina subir de R$ 530 para R$ 575, mais 8,4%, valor acima da inflação oficial dos últimos 12 meses, de 4,83%. "São muitos os gastos com ensino. Por isso, meu marido não quer o segundo filho. Ele me convence disso sempre que me mostra a planilha de gastos com educação", emendou.
REAJUSTES POLUENTES
Defensor de uma postura mais comedida do Copom, o economista Flávio Serrano, do Banco BES Investimento, reconhece as pressões inflacionárias, mas, a seu ver, o BC deveria esperar abril chegar para subir os juros. "Os índices atuais de inflação estão poluídos por reajustes que não tenderão a ser repetir nos próximos meses", assinalou. Além do aumento das mensalidades escolares, de 5,38%, contribuindo, individualmente, com 0,26 ponto percentual do IPCA, e dos ônibus urbanos, de 2,50% ou 0,10 ponto do índice, ele destacou o impacto do excesso de chuvas, que levou à disparada dos preços do arroz (4,45%), do tomate (17,26%) e do leite (2,84%), por exemplo. "A deterioração da inflação atual decorre de fatores pontuais. E não podemos esquecer que a atividade econômica está crescendo, mas não em disparada. Por isso, seria melhor começar o aumento dos juros em abril, pois o BC terá um quadro mais claro do nível da atividade e da inflação", afirmou Serrano.