Não ter uma carteira de trabalho deixou de ser preocupação para uma parcela de brasileiros, ao menos no que se refere a dinheiro. Nos últimos cinco anos, a renda dos informais cresceu mais intensamente do que a dos empregados protegidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mantido esse ritmo, em seis anos os rendimentos reais dos formais e dos sem registro estarão no mesmo patamar, conforme cálculos feitos por especialistas. Hoje, a diferença média é de R$ 416,74.
[SAIBAMAIS]"Para mim, trabalhar sem carteira é mais vantajoso, consigo tirar mais dinheiro", explicou a diarista Cleusa Ribeiro de Almeida, 43 anos. Segundo ela, em nove anos limpando e passando roupa na "casa dos outros", o orçamento para sustentar os quatro filhos passou de R$ 350 para R$ 800. Uma melhora de 128,5%. De acordo com ela, não foi "milagre", mas muito esforço somado a um aumento na demanda por serviços domésticos. "Nunca fico sem serviço e só trabalho de segunda a sexta-feira. No começo, não era assim, mas hoje tem tanta procura que só se eu me dividir em duas ou três para conseguir atender a todo mundo", brincou a diarista, que obteve o documento trabalhista há mais de 15 anos e, até hoje, nunca recebeu um único carimbo ou anotação.
Quando não se tem uma carteira assinada, como Cleusa, quem decide se o empregado terá um aumento salarial é a lei da oferta e da demanda, máxima que beneficiou os trabalhadores informais nos últimos cinco anos, em detrimento dos que são protegidos pelas leis trabalhistas. Os rendimentos dos dois tipos de empregados, de acordo com levantamento do Correio e de cálculos de especialistas, elevaram-se em ritmos diferentes. A carteira de trabalho perdeu para a informalidade: os formais tiveram os rendimentos médios aumentados em 1,31%; já os informais, em16,7%. A comparação foi feita com base nos dados colhidos entre outubro de 2002 e igual mês de 2008, pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cleonice Firmino dos Santos, 25, trabalha há três prestando cuidados a idosos e é mais um exemplo da diferença entre os dois tipos de empregados. Ela não tem carteira assinada, mas consegue estimar quanto melhorou o rendimento desde que começou a desempenhar a função. "Quem bota o preço é a pessoa que vai contratar. Quando comecei, há três anos, ganhava R$ 400. Depois, fui cuidar de uma senhora e os filhos dela me pagam R$ 500. Agora, vou começar em um (novo emprego) em que vão me pagar R$ 600", contou Cleonice. Além do salário maior, ela trabalhará somente três vezes por semana. "Vou poder ficar mais tempo com meus filhos e ainda ter mais dinheiro para as minhas coisinhas", comemorou.
Profissionais escassos
Para especialistas em mercado de trabalho, o rendimento dos sem carteira em ascensão se justifica por um esvaziamento da informalidade. Passou a existir menos mão de obra com essa característica. "Nos grandes centros, alguém que queira contratar um empregado doméstico sem carteira está encontrando dificuldade. Essas pessoas estão escasseando", analisou o professor de economia do MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), Robson Gonçalves. "Esse é um processo que tende a acontecer à medida que o país se desenvolve. No Japão, por exemplo, para conseguir alguém que queira ser lixeiro ou jardineiro é difícil. Tanto que muitos brasileiros vão para lá e acabam ganhando salários altos para fazer esses serviços. Por isso, é bem possível que essa equiparação de rendimentos ocorra mais cedo ou mais tarde, conforme o país cresça", avalia.
Segundo o gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, Cimar Azeredo, em 2003, 15,5% da população ocupada era de trabalhadores sem carteira. Em 2008, o percentual caiu para 13,4%. "Houve um esvaziamento nessa categoria. Com a melhora do mercado de trabalho nos últimos anos, essas pessoas acabaram migrando para a formalidade", explicou. "Quanto mais o país evoluir, menor será a informalidade. A formalização permite mais gastos com serviços de saúde, educação e que a pessoa tenha acesso a crédito. Por mais que os rendimentos dos sem carteira aumentem, o salário não vai conseguir atrair de volta quem se formalizou", ponderou.
A diminuição da mão de obra e o aumento dos rendimentos foram captados pelo Índice de Preços ao Consumidor Brasil (IPC-BR), medido pela FGV. Nos últimos cinco anos, a inflação dos trabalhadores domésticos, ou o custo para se contratar empregados como diaristas e jardineiros, avançou 46,79%.