Jornal Correio Braziliense

Economia

Próxima administração será cobrada a investir no setor elétrico para assegurar o suprimento de energia

O apagão que deixou 18 estados brasileiros no escuro em novembro acendeu o sinal de alerta sobre o futuro energético do país. A explicação dada pelo governo de que o sistema de transmissão que traz energia da usina de Itaipu foi derrubado por raios não convenceu e colocou em xeque o atual modelo da matriz energética do país. Os órgãos governamentais responsáveis pelo setor elétrico desmentem veementemente as provocações de que o sistema é frágil e precisa ser alterado. Especialistas do setor, porém, apontam as falhas e cobram mudanças, para evitar problemas. "Se não houver expansão do sistema, corremos o risco de ter apagão novamente", alerta José Goldemberg, ex-ministro de Ciência e Tecnologia e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). "O sistema atual é muito vulnerável. Não foi raio nada. Tem que cuidar é da infraestrutura", critica. Goldemberg defende a descentralização do sistema, hoje interligado e extremamente dependente de usinas hidrelétricas. "Só Itaipu representa 25% da energia do país. Se cai, fica tudo às escuras", diz. O professor questiona as grandes obras em construção, como Belo Monte, por exemplo, que está a 2 mil quilômetros da região Sudeste, o que aumenta o risco de ocorrência de novas panes, e critica a falta de entendimento entre os órgãos do governo responsáveis pelo setor. No episódio do recente apagão, o desencontro de informações ficou evidente. Mesmo depois de o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, ter divulgado nota afirmando que as chances de um raio ter causado a pane eram "mínimas", o governo continuou bancando a versão. Monopólio Para Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, o apagão ocorrido em novembro mostra o desafio do planejador para sanar falhas operacionais do sistema atual. "O problema não aconteceu por falta de energia. São questões operacionais", reforça. Ele observa que o setor elétrico é caracterizado por um monopólio natural e é preciso que o Estado - e não o governo - atue e regule o setor para promover a eficiência do setor. "A regulação é uma questão de estado, estabelecida como meta de longo prazo, que transcende o governo. Quanto mais próxima a regulação está das urnas, é mais fácil ela se afastar da realidade", afirma. O ex-diretor da Petrobras e professor da USP Ildo Sauer lança o desafio de aprimorar o sistema energético do país para o próximo governante. "O Lula tem passado uma imagem de que, se não tiver apagão, está bom. É como se colocasse o filho na melhor escola e pedisse só para ele passar", ataca. Ele defende a revisão da reforma feita em 2003 e 2004, sob o comando da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. "O cenário mostra claramente que as reformas feitas naquela época não foram suficientes. Há problemas institucionais, de gestão e de organização", afirma. O especialista refere-se às sete instituições do governo que monitoram o setor elétrico, que, na sua visão, não têm uma clara definição de funções. São eles: Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), Ministério de Minas e Energia (MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Custo A necessidade de reformas no modelo elétrico vigente, no entanto, está descartada, afirma Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, a estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Isso porque, segundo o técnico, como o país tem um sistema hidrológico diferenciado, o sistema interligado permite que uma região ajude a outra. Se não fosse assim, seria necessária uma capacidade instalada 12% maior, o que implicaria em custo maior nas contas de luz. Tolmasquim reconhece que a construção de grandes linhas de transmissão para trazer energia de usinas mais distantes dos grandes centros consumidores acarreta maior vulnerabilidade, mas ressalta que os benefícios são maiores que os riscos. "Os acidentes podem ocorrer, mas são muito mais raros. Não existe sistema infalível e o Brasil tem um sistema de transmissão extremamente robusto", garante. Com os cortes inesperados de energia, sejam os causados por problemas estruturais de grande proporção ou por questões localizadas, o prejudicado é sempre o consumidor. A professora Michele Alves Evangelista (foto) é um exemplo. Ela está cansada dos frequentes blecautes em Sobradinho, no Distrito Federal. A interrupção no fornecimento de energia ocorrida em 1º de dezembro lhe rendeu prejuízos: uma TV e um computador queimados. "Na hora das fortes chuvas, não tinha ninguém em casa e estava tudo desligado. Quando cheguei, a TV e o computador não ligavam e não têm conserto", conta. A consumidora fez reclamação à Companhia Energética de Brasília (CEB), mas o problema não foi resolvido. Segundo Michele, o técnico da concessionária fez uma vistoria em sua residência, mas informou que não foi detectado nenhum problema na rede. "Como não houve problema?", questiona. Procurada, a CEB não se pronunciou até o fechamento desta edição. (KM) Governo descarta risco Uma das grandes questões apontadas para a próxima década é se as usinas hidrelétricas em construção são suficientes para suprir a demanda de consumo do país, considerando um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4% a 5% ao ano. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), garante que não há o que temer. Isso porque, fazendo a contraposição das projeções de oferta e demanda, o Brasil terá um superavit de energia de mais de 4 mil megawatts médios em 2014, o que dá "muita tranquilidade", segundo ele. O técnico lista ainda, como um colchão de segurança, a contratação de 750 megawatts médios de energia eólica no fim do ano; o leilão para contratação de energia em 2015 - que vai ocorrer este ano -; e as usinas que estão em construção no Norte do país. Insatisfeito com as explicações, o ex-diretor da Petrobras e professor da USP, Ildo Sauer, critica a postura confortável do governo de "ficar deitado em berço esplêndido das sobras aparentes (de energia)". O especialista sustenta que só não houve racionamento em 2009 porque a demanda caiu 7%. "Deu uma folguinha, mas podemos voltar a ter problemas no próximo governo. Se o país crescer 5% em 2010, poderemos ter desconforto. O racionamento não pode ser descartado", anuncia. Sauer argumenta que "o apagão iluminou os sete pecados" do sistema elétrico brasileiro (leia no quadro ao lado) - um conjunto de falhas a serem corrigidas pelo próximo governante do país. Licenças Ricardo Corrêa, analista de energia da Ativa Corretora, destaca que o governo posterior não pode desconsiderar os processos de concessão de licenças ambientais para a construção de grandes usinas. "Vimos cancelamentos de usinas térmicas e a usina de Belo Monte teve atraso de mais de um ano", diz. Sem entrar no mérito da questão, ele alerta que isso pode acabar atrapalhando o planejamento de fornecimento de energia. "A expansão (de energia) está focada na Amazônia, onde a floresta tem que ser devastada ou inundada em algumas áreas para a construção de barragens. E é uma área visada mundialmente", observa. Apesar de considerar bom o modelo energético brasileiro, Corrêa defende a inserção de outras fontes de energia, já que atualmente há extrema dependência das usinas hidrelétricas. %u201CPrecisamos de complementaridade térmica. É o que o país precisa para ter segurança%u201D, diz. (KM) Leia íntegra