Diferentemente dos setores produtivos mais ligados ao mercado externo, uma parcela das fábricas que se voltaram ao país conseguiu vencer a crise e já alcançou patamar recorde de atividade. Levantamento feito pelo Correio com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que nove ramos de produção estão em ritmo de atividade superior ao apresentado no auge do crescimento da indústria, em setembro de 2008. Em comum, esses setores têm como foco o consumo interno, que não arrefeceu com a crise.
A maior parte das fábricas que resistiram às turbulências externas exibem como diferencial uma forte presença de seus produtos entre as classes de renda mais baixa. O crescimento mais robusto se deu nas indústrias alimentícia, de bebidas e de perfumaria. Juntas, essas atividades lideraram o ranking de produção no Brasil, acumulando altas de até dois dígitos na comparação entre os meses de setembro de 2008 e de outubro deste ano, já corrigidas as distorções de tempo.
Outro fator favorável a essas atividades foi o aumento da renda. Até o início da crise, em meados de setembro, o conjunto de remunerações pagas aos trabalhadores registrava crescimento real de 10% no acumulado do ano. Já no início de 2009, essa taxa havia caído para 8%, chegando a bater em 3% no primeiro trimestre. ;Mas sempre cresceu, mesmo tendo diminuído o ritmo;, pontua Flávio Serrano, economista sênior do BES Investimento. Hoje, no acumulado dos últimos 12 meses até novembro, a taxa está em 4,3%.
Dia a dia
O número explica o bom desempenho dos setores industriais que já alcançaram recorde na produção, como celulose e papel, produtos químicos e farmacêutica. Todos são categorias de uso de uso contínuo no dia a dia e o consumo tem pouco a ver com o volume de crédito ou com a demanda internacional. O oposto se deu no setor exportador, cuja indústria perde feio quando se comparam os resultados deste ano com os de 2008. Em outubro, apenas os setores de alimentos (0,3%), bebidas (12,4%) e mobiliário (8,3%) ganharam no confronto com o décimo mês de 2008. Em caminho inverso, estavam vestuários e acessórios (-7,8%), metalurgia básica (-10,2%) e máquinas e equipamentos (-13,7%).
O empresário Osório Adriano Neto comemora o acerto da aposta no mercado local. ;Nossa indústria cresce em média 1,6 vez a mais que o PIB (Produto Interno Bruto) nacional. E em diversos anos, até bem mais que isso;, diz o vice-presidente da Brasal Refrigerantes. Nos últimos anos, entre 2002 e 2007, a empresa que ele comanda no Distrito Federal cresceu a uma média de 12% ao ano. ;E vamos crescer 6% este ano, ao passo que a economia brasileira não vai crescer nada.;
A explicação para o sucesso em Brasília recai em três fatores. A capital tem uma das mais altas renda per capita do país, clima quente e uma umidade relativa do ar que cai abaixo dos 20% nos períodos mais secos do ano ; as condições ideais para a indústria de bebidas.
Marolinha para uns, tsunami para outros
Até setembro de 2007, a atividade produtiva crescia de forma consistente e espalhada por todos os ramos pesquisados pelo IBGE. Avançava mais, entretanto, nas áreas de transformação pesada, como a de metalurgia básica, na de veículos automotores e na de máquinas e equipamentos. A crise inverteu essa lógica. Ao fechar a torneira do crédito nas economias mais evoluídas, a indústria brasileira parou. O temor de que as turbulências externas pudessem jogar o país numa forte recessão fez com que empresários pisassem no freio este ano. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgado na semana passada mostra que menos da metade das empresas industriais cumpriram à risca suas metas de investimento em 2009.
A consequência foi uma estrondosa queda do segmento de bens de capital. ;Se alguém me pergunta se a crise foi uma marolinha ou um tsunami, eu respondo que depende. Para os ramos ligados à massa salarial, como alimentos e bebidas, foi mesmo uma marolinha. Mas para os setores mais voltados à demanda externa, foi um tsunami. E de grandiosas proporções;, assinala o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio Leal.
Estímulo
O maremoto começou no sistema financeiro, eclodiu no produtivo e deixou de sobreaviso o consumo em todo o mundo. A exceção foram os países em desenvolvimento, entre eles, o Brasil. ;A explicação mais ampla é a de que a demanda doméstica permitiu a expansão desses nove setores, entre os quais estão atividades que tiveram redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), um estímulo a mais para alguns segmentos;, avalia o economista da consultoria Tendências Bernardo Wjuniski. Para ele, a antecipação das compras acabou sustentando parte do consumo e da retomada da indústria em meio à mais grave crise econômica dos últimos 80 anos. (DB)