Jornal Correio Braziliense

Economia

Gás de cozinha poderia ser vendido de forma fracionada

Projeto de lei proposto em 2006 atenderia o desejo do consumidor, mas enfrenta a resistência das distribuidoras

A pensionista Hilda Mateus Amorim, de 63 anos, leva cerca de dois meses para consumir o botijão de gás de 13kg. Mesmo assim, o custo do gás de cozinha pesa em seu orçamento. "Nem sempre tenho o dinheiro todo para comprar. Em épocas mais apertadas, já pedi dinheiro emprestado para não faltar o gás", revela a dona de casa que tem renda de R$ 800. Foi a partir de casos como dela e de tantos outros consumidores de baixa renda que o deputado federal José Carlos Machado (PFL-SE) propôs, em 2006, o Projeto de Lei 6.618. A ideia da proposta é viabilizar a venda fracionada do gás liquefeito de petróleo (GLP), assim como ocorre com outros combustíveis, como a gasolina e o álcool.

Se o documento original for aprovado, será possível comprar GLP em distribuidores e postos de gasolina de acordo com a necessidade do consumidor, com venda mínima de 1kg e máxima de 20kg. E caberia à Agência Nacional do Petróleo (ANP) regulamentar a lei em um prazo de 90 dias. A proposta tramita na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados e já foi aprovada na Comissão de Minas e Energia.

O deputado argumenta que o projeto traz vantagens sob a ótica econômica e é de grande interesse social, já que a maioria absoluta dos lares brasileiros usam gás de cozinha. Para ele, além de aliviar o peso do botijão no orçamento familiar - que custa, em média, R$ 42,98 no Distrito Federal -, dilui o que Machado considera ser um monopólio na distribuição.

Dona Hilda gostou da ideia. "Parece muito bom, porque aí podemos comprar o que temos de dinheiro na hora, mesmo que não seja o botijão cheio", comenta. "É bom também para aquelas pessoas que estão em situações ainda piores que a nossa". Assim como ela, a Associação Brasileira de Revendedores de GLP (Asmirg) apoia a venda fracionada. "A população será muito beneficiada se o projeto virar lei. O sistema já funciona bem em países como a Coreia", comenta Alexandre Borjaili, presidente da entidade. Segundo ele, as distribuidoras temem e fazem pressão para a rejeição da matéria no Congresso, pois serão elas as mais afetadas. "Só elas (distribuidoras) não vão gostar da ideia, porque vai-se criar uma concorrência mais justa no mercado, coisas que essas empresas não querem".

Viabilidade
Algumas mudanças teriam que ocorrer para viabilizar o projeto. O presidente da Federação Nacional de Revendas de Gás Liquefeito de Petróleo (Fergás), Álvaro Chagas, explica que os botijões que circulam no país não atendem às necessidades criadas pela proposta do deputado sergipano. "Os mais de 100 milhões de botijões brasileiros foram feitos para serem envasados industrialmente. A válvula precisaria ser modificada e a embalagem deveria ser diferente para isso". Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), detalha que cada vasilhame custa, atualmente, entre R$ 80 e R$ 110 e, com as mudanças, passaria a custar entre R$ 150 e R$ 180. "Se tivermos que substituir os botijões, o produto ficará mais caro e fugirá da proposta de reduzir custos ao consumidor".

Outro empecilho é a manutenção das embalagens. Normatizações da ANP determinam que cada empresa distribuidora é responsável pela verificação e revisão do estado dos botijões, que podem ter até 40 anos de vida útil. "A cada 10 anos, os botijões têm que ser submetidos a uma requalificação e a um teste de pressão para garantir que ainda servem para o uso", detalha Mello. Se o projeto passar a vigorar, essa supervisão deixaria de ocorrer e, para essas entidades sindicais, isso implicaria em altos riscos para a segurança.

Machado sugere que o reabastecimento ocorra nos distribuidores e em postos de gasolina. Álvaro Chagas critica: "Os botijões ocupam muito espaço e muitos locais teriam dificuldade em cumprir as regras de área destinada a esse tipo de atividade". Mello, do Sindigás, acrescenta que "a atividade é regulamentada e esse projeto iria provocar uma bagunça em tudo".

Respostas à demanda
A necessidade dos consumidores está fazendo com que as empresas distribuidoras criem outros meios para movimentar as vendas. Uma alternativa apresentada para a comercialização fracionada de gás liquefeito de petróleo (GLP), sugerida no Projeto de Lei n; 6.618, de 2006, do deputado federal José Carlos Machado (PFL/SE), é a oferta de vasilhames menores do que o tradicional botijão de 13kg.

"Na época em que surgiu o botijão, a média era de 4,5 pessoas por família. Atualmente, essa média caiu para 3,8 pessoas por residência", explica Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindicato de Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás). De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apurada pelo IBGE, 12,8% das residências das regiões Sul e Sudeste têm apenas um morador e mais de 25% dos lares têm menos de três pessoas. A casa da pensionsita Hilda Mateus Amorim está dentro da estatística. No lar do Riacho Fundo II, moram ela e o filho solteiro.

Opções
Embalagens de 5kg a 8kg começam a surgir em algumas regiões do país. A Amazongás oferece o botijão de 7kg. Liquigás e Fogás têm de 8kg e estão lançando a embalagem de 5kg. A Ultragaz e a SHV Gás, responsável pela Supergasbras e Minasgás, também têm essa opção. Alguns estados também estão levando a sério a mudança de demanda. No Piauí, uma lei local estabeleceu que as distribuidoras são obrigadas a oferecer o gás de cozinha envasado em embalagens de 5kg e 8kg para atender, principalmente, à população de baixa renda.

O custo para o consumidor pode ser reduzido em até 40% no caso do vasilhame de 8kg. Segundo Mello, da Sindigás, haverá uma troca "intercambiada" entre os botijões. "Se a dona de casa comprar um botijão de 5kg, vai pagar pelo conteúdo e entregar a embalagem que ela tem de 13kg com o compromisso de que sempre terá o botijão equivalente ao volume comprado", explica.