Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão que pode mexer com a vida de milhares de servidores públicos. Um julgamento previsto para ocorrer ainda neste mês definirá qual a personalidade jurídica da Fundação de Seguridade Social (Geap), sob quais limites e em que bases legais ela deverá atuar. Se os ministros entenderem que a entidade não pode firmar convênios com órgãos que não sejam aqueles que a criaram, 250 mil pessoas ficarão sem plano de saúde.
A polêmica se arrasta desde a década de 1990 e ganhou força a partir de um questionamento feito por uma seguradora privada no Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2004, o órgão de controle baixou acórdão considerando legais os convênios, mas impediu a renovação com os órgãos que não são os instituidores da fundação - ministérios da Saúde, da Previdência Social e do Trabalho. Atualmente, são 90 os patrocinadores da Geap. "Há uma grande parte bastante idosa dentro desse grupo que corre risco de sair. A dificuldade em ser absorvida no mercado de plano de saúde será enorme. Essas pessoas ficariam sem cobertura", alerta Regina Parizi, diretora executiva da Geap.
Quase metade dos 700 mil assistidos tem 60 anos de idade ou mais - 524 completaram ou já passaram dos 100 anos. Criada em 1945, com o nome de Patronal, a Geap é uma entidade fechada de Previdência Complementar sem fins lucrativos. A entidade oferece a servidores públicos federais, estaduais e municipais planos e programas de saúde, além de assistência social e planos de previdência.
Na entrevista a seguir, Regina Parizi diz que a manifestação do STF será um divisor de águas. Em relação ao atendimento e à rede de hospitais e clínicas credenciados, Regina afirma que o cenário é de tranquilidade. Quanto às mudanças na forma de rateio dos custos, que culminou com a cobrança dos titulares que incluem dependentes, a diretora-executiva afirma que elas estão em estudo por parte do Conselho Deliberativo.
Polêmica
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai discutir três teses: primeiro, se a Geap é pública ou privada. Não temos dúvida nenhuma de que a Geap é privada, segue todas as regras do setor privado. A segunda tese é se a União pode fazer convênio com a Geap, uma vez que os instituidores foram os ministérios da Saúde, Previdência e Trabalho. É lógico que pode. Até porque os órgãos não têm personalidade jurídica própria. O CNPJ é o da União. Se eles fazem isso, os demais também podem. A terceira tese é se a Geap pode fazer convênio com esses órgãos ou teria de participar de licitação. A Geap não pode participar de licitação porque sua natureza jurídica é a de um fundo de pensão. Isso do ponto de vista legal. Agora, há um impedimento também do ponto de vista de disputa de mercado, porque a Geap é uma instituição sem fins lucrativos. É claro que o meu preço sempre vai ser o mais baixo.
Ameaça
Caso o STF decida que devem ficar apenas os instituidores, saem em torno de 250 mil pessoas. O Supremo pode dar um prazo para essas pessoas saírem, mas, de qualquer maneira, o tempo para elas não importa muito. Há uma grande parte bastante idosa. A dificuldade em ser absorvida no mercado de plano de saúde será enorme. Essas pessoas ficariam sem cobertura.
Consequências
Do ponto de vista atuarial, perder essas 250 mil pessoas é um prejuízo bem grande. Como não há fins lucrativos, você trata de ter um contingente maior para dividir a despesa. Um tratamento de câncer, que sai hoje por R$ 35 mil ou R$ 40 mil, é um bom exemplo. Uma coisa é dividir esse custo entre 400 mil e outra é dividir entre 700 mil pessoas. É mais acessível, para cada um. Não tem mágica. Se vou trabalhar com um valor acessível, só tem um jeito: ter um grande contingente de pessoas para ajudar a pagar a conta naquele momento que ele está precisando.
Particularidade
A Geap tem uma característica, até pela forma solidária que foi constituída: ela nunca teve preços diferenciados por faixa etária. Obviamente, acumulamos um número de idosos grande. Mais do que isso: ela tem acolhido esses idosos. Essa realidade foi imposta para a fundação, que era a única que recepcionava esses idosos. Um exemplo é o Ministério dos Transportes, que já passou por vários planos de saúde. A idade média lá é de 73,6 anos. O ministério abriu duas licitações, que foram desertas.
Mercado
Uma empresa privada vai ao TCU (Tribunal de Contas da União) dizer que a Geap não pode fazer convênio com o Ministério dos Transportes porque não foi ele quem a criou. Mas ao mesmo tempo, na hora em que o ministério abre licitação, essa mesma empresa não comparece para apresentar uma proposta. Qual o objetivo? É deixar as pessoas sem assistência? Está provado que o mercado, sozinho, não dá respostas para todas as necessidades da população.
Contexto
A Geap tem seus instituidores, que são cerca de 450 mil pessoas, e outros 250 mil de vários órgãos do governo. São todos órgãos que têm tido dificuldade para conseguir outros tipos de operadoras para prestar assistência. Ou têm muitos idosos ou são órgãos que têm servidores distribuídos pelo país em lugares de difícil acesso. Portanto, não é lucrativo. Exemplo: Ibama e Funai. A Geap vai ter de ir lá no meio da floresta na fronteira com a Venezuela ou buscar uma rede no interior de Tocantins. As operadoras de mercado atuam 70% na Região Sudeste, que é onde têm oferta e classe média alta. Elas não vão onde nós vamos.
Licitação
A Geap não pode participar de licitação por conta de sua natureza jurídica. Ela é um fundo de pensão que tem saúde e previdência. É uma entidade fechada de previdência complementar. As leis complementares 108 e 109 vedam. O serviço é sempre prestado na forma de convênio. Sempre tem a figura do patrocinador. Por quê? Porque como a gente opera sem fins lucrativos, não temos grandes reservas financeiras para garantir riscos. E aí o patrocinador trabalha atuando conosco na garantia de risco. O patrocinador são os órgãos, que asseguram e participam da gestão.
Contas
Tivemos de fazer uma reformulação neste ano, que não foi por reajuste de faixa etária, mas por número de dependentes. Tinham pessoas sozinhas que pagavam R$ 200 e pessoas com nove dependentes que pagavam uma única parcela por mês. O que o Conselho Deliberativo da Geap decidiu foi dizer ao usuário que ele precisa pagar pelos dependentes também. É óbvio que teve quem reclamasse, protestasse, principalmente os servidores com família grande.
Teto
Agora, o conselho está discutindo um teto para também não expulsar a família numerosa. O objetivo não é expulsar ninguém, mas esses núcleos familiares muito numerosos também não podem desestabilizar o plano para todo mundo. Ainda estamos em um processo de discussão, isso vai até o fim do ano. Vamos tentar colocar um teto, algo como R$ 600, R$ 700, mas que o usuário que tem muito dependente pague um pouco a mais. Além disso, estamos trabalhando dentro de uma média que viabilize o serviço de acordo com a realidade salarial do associado. As entidades estão participando, estão fazendo as contas junto conosco.
Reclamações
Parte se justifica, parte não. Tem uma parcela bem antiga de usuários que vem da Patronal (entidade que precedeu a Geap na assistência aos servidores públicos). Naquela época, a Patronal pagava tudo. O debate que eu sempre faço é que a Patronal conseguia fazer isso porque a medicina cabia em uma maleta: tinha o estetoscópio, a morfina, a penicilina e o exame clínico. Hoje, há um arsenal tecnológico. A medicina não cabe mais em uma maleta. E o médico dificilmente consegue ir à casa do paciente. O paciente tem de ir ao hospital. É só desvantagem? Não. No tempo da Patronal, não existia tratamento de câncer, não se salvava gente com infarto.
Rede
Neste momento, estamos bem mais tranquilos. Com a reformulação atuarial, conseguimos honrar nossos pagamentos. A rede está funcionando razoavelmente bem. Sem crise particular com a Geap. Há crises conjunturais, que é o caso do Distrito Federal. A dificuldade aqui envolve o setor público e o setor privado. Acho preocupante e precisamos somar esforços para solucionar os problemas. A assistência mais cara do Brasil é a do DF. Nos demais estados, estamos tranquilos, bem razoáveis. O número de queixas caiu bastante.