Jornal Correio Braziliense

Economia

Empresas brasileiras estão de olho no Haiti

Setor têxtil busca parcerias para alcançar os mercados americano e europeu

A disposição do Brasil em gerar incidentes diplomáticos na área política contrasta com a relação comercial que empreende com países como o Haiti(1). Numa tentativa de ampliar a participação nacional naquele país, empresários brasileiros do setor têxtil desembarcaram em Porto Príncipe, capital do Haiti, para dar início a uma missão comercial. Eles cumprem orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deseja trabalhar para que a relação com o país transcenda o campo da ajuda humanitária e militar. A ideia é levantar informações sobre a infraestrutura e a logística do Haiti que possibilitem o investimento brasileiro no país.

Ouça entrevista com Carlos Marcio Cozendey, diretor do Departamento Econômico do MRE


A missão de empresários é liderada pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), entidade que representa um dos setores da economia que mais sofreu com a desvalorização cambial e com a concorrência com produtos chineses. A visita conta ainda com o apoio irrestrito dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) e das Relações Exteriores (MRE), com quem a Abit vem conversando nos últimos meses.

Também houve contato com representantes do governo haitiano, que estiveram recentemente no Brasil para sugerir um roteiro da visita. O Banco Mundial, que aplica dinheiro em projeto de urbanização naquele país, também mostrou interesse na missão brasileira. E já providenciou que os empresários do setor têxtil recebam assessoria financeira durante toda a visita. Pelo menos um seminário cujo tema será possibilidades de linhas de financiamentos para empresas brasileiras está marcado para acontecer ainda durante a semana. Espera-se que a embaixada brasileira em Porto Príncipe também auxilie a comitiva, com informações sobre o país e ajuda no deslocamento.

Três representantes da Abit, sendo o diretor-superintendente, Fernando Pimentel, e dois membros da área comercial encabeçam a missão, que também terá a participação de oito representantes de empresas da área têxtil, como a Vicunha e a Canatiba. Ainda não se fala em valores ou em áreas em que os investimentos possam ser feitos. Mas uma das possibilidades é que os brasileiros formem acordos operacionais com empresas haitianas, em que as bases produtivas ; e mais baratas ; lá instaladas possam exportar para mercados norte-americanos e europeus. ;Não se está falando em fazer uma revolução (no Haiti), ou de chover no sertão;, reflete Fernando Pimentel, da Abit.

Fernando avalia que a visita visa atender interesses comerciais e políticos brasileiros, propostos pelos ministérios do Desenvolvimento e das Relações Exteriores, sob orientação direta do presidente Lula. ;Há uma preocupação do governo brasileiro com o pós-tropas, sobretudo no que diz respeito a formas daquele país começar a depender menos de ajuda internacional e mais de sua produção.;

1-
Terra arrasada
Relatório da Agência de Inteligência norte-americana (CIA) diz que 80% dos haitianos vivem em situação de pobreza, ;sendo que 54% estão abaixo da linha da miséria total;, em razão dos embargos sofridos durante anos. Atualmente, a soma das riquezas, de US$ 6,137 bilhões, é 245,9 vezes menor que a dívida pública brasileira. Há ainda problemas de falta de infraestrutura básica, como estradas e portos. O país foi diversas vezes devastado por catástrofes naturais.

Trunfo nas mãos
Os empresários brasileiros que desembarcaram em Porto Príncipe têm uma carta na manga, caso decidam investir no Haiti. ;O programa Hope (esperança) é o que pode fazer com que os empresários tenham uma boa possibilidade de exportar para os Estados Unidos, já que consiste, basicamente, na isenção de impostos às exportações haitianas de produtos fabricados com insumos de outros países, entre os quais o Brasil;, detalha o conselheiro-chefe do Departamento de América Central e Caribe do MRE, Ricardo Peixoto.

Atualmente, o governo brasileiro discute com autoridades norte-americanas a extensão do acordo Hope 2, que passou a vigorar em outubro de 2008 e que tem validade de 10 anos. Ricardo Peixoto explica que empresários brasileiros têm pressionado o governo para conseguir uma ampliação da pauta de mercadorias isentas de tributação ; na grande maioria, produtos têxteis. Há interesse também de o Brasil adotar uma espécie de Hope 2 nacional, que fortaleceria o comércio quase inexistente entre Brasil e Haiti.

Falta apenas uma autorização do Mercosul, que julga se um acordo nesse sentido afetaria a Tarifa Externa Comum de comércio internacional. Em julho, o governo brasileiro apresentou a proposta durante reunião do Conselho do Mercosul. ;Argentina e Uruguai concordaram. Falta apenas a decisão do Paraguai, que teme a concorrência haitiana;, conta o ministro Carlos Marcio Cozendey, diretor do Departamento Econômico do MRE.