A possibilidade de Maria do Socorro Dias Pereira ser convocada no concurso do Ministério Público da União (MPU) era pequena. Afinal, ela estava no cadastro de reserva: era a 475ª aprovada do cargo de analista processual, cujo edital oferecia apenas 15 vagas. "Nem tinha mais esperança. A validade estava terminando e não daria tempo de me chamar", comenta. Não foi bem o que ocorreu: em maio, a bacharel em direito de 37 anos deixou a Justiça Federal - onde trabalhava desde 1992 - para assumir um posto no Ministério Público do Distrito Federal. Casos assim, em que a porta de ingresso ao serviço público é muito maior do que o esperado, têm sido cada vez mais comuns, especialmente em órgãos do Judiciário, Legislativo e no Ministério Público (veja quadro ao lado).
"Mais importante do que ser classificado dentro do número de vagas é ser aprovado", garante José Wilson Granjeiro, diretor do Gran Cursos. Ele explica que somente no Executivo há legislação que limita a quantidade de convocados. O Decreto nº 6.944 de 2009 permite ao Ministério do Planejamento autorizar a nomeação de aprovados de até 50% mais do que o número de vagas durante a validade do concurso. Nos demais poderes e no Ministério Público, não há esse impedimento.
O MPU aproveitou bastante o cadastro de reserva: das 201 vagas para analistas processuais, foram chamados 1.467 aprovados, mais de sete vezes o número de postos oferecidos. Para técnico administrativo ocorreu algo parecido: 363 oportunidades geraram a convocação de 2.481 aprovados.
Maria do Socorro lembra que é preciso ficar atento às publicações no site do órgão e no Diário Oficial da União. "Muita gente nem acompanha as nomeações. Só descobri que fui chamada porque olhava com frequência. Não recebi nenhum telegrama", conta. Em geral, cada instituição mantém uma área dedicada aos concursos em seus sites e nos quais inserem as informações. O edital do MPU foi publicado no fim de 2006 e homologado em abril de 2007 com validade de um ano, quando foi prorrogado por igual período.
Expectativa
Tatiana Barroso de Albuquerque Lima, de 33 anos, espera ter o mesmo destino que Maria do Socorro. Ela é a próxima a ser convocada na fila do cadastro de reserva dos aprovados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a vaga de biblioteconomia, sua área de formação. A seleção foi lançada em 2007 e duas pessoas foram chamadas além do número de vagas. "Tem um ano que o concurso foi homologado e em breve estarei lá", diz, esperançosa.
Entre os aprovados, um foi aproveitado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outro seguiu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tatiana não tem preferência. "Só quero ser nomeada e tomar posse." Atualmente, ela trabalha na iniciativa privada, tendo feito, também, concursos da Petrobras e do STJ, porém, diz não ter tido o aproveitamento esperado. "Na prova do TSE tinham muitos conhecimentos práticos ligados ao dia a dia do trabalho como bibliotecária, isso me ajudou. Além de redação, que fez toda a diferença", relata.
No concurso do ano passado do TST, que atraiu mais de 151 mil inscritos, as 20 vagas imediatas para analistas e técnicos judiciários já representaram a convocação de 428 pessoas. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal há um caso ainda mais significativo. A Lei nº 11.697/2008 ampliou de 182 para 255 o número de varas no DF e, por isso, 2.248 servidores vão reforçar os quadros, além das demandas naturais decorrentes de aposentadoria, vacância e mortes. A nomeação foi dividida em quatro anos, entre 2008 a 2012. Por enquanto, 1.102 aprovados foram chamados e só 50 vagas haviam sido oferecidas. Para o posto de analista, 36 chances constavam no edital, contudo, 599 pessoas que estavam na lista de aprovados foram convocadas.
Mesmos os processos seletivos que se limitam a cadastro de reserva costumam chamar muitos candidatos. O STJ chamou 262 servidores: 119 analistas e 143 técnicos e há muito tempo para fazer as convocações: o prazo de validade termina em dezembro de 2010 e há a possibilidade de prorrogação. No concurso anterior, de 2004, o tribunal buscava preencher 365 vagas e acabou aproveitando 1.302.
Granjeiro comenta que os concursos que só oferecem cadastro de reserva não atraem candidatos, porque não transparecem segurança. Na visão dele, mesmo com as vantagens do grande volume de convocações, a modalidade usada sozinha deveria acabar. "Em parte, funciona para burlar a jurisprudência do STF, que garante a convocação dentro do número de vagas no prazo de validade do concurso."
Reserva para bancos
No Executivo, os bancos oficiais figuram na exceção do alto aproveitamento de candidatos aprovados. Os concursos, tanto do Banco do Brasil quanto da Caixa Econômica Federal, são para cadastro de reserva e costumavam ter validade por dois anos, prorrogadas por igual período. As instituições têm mudado a extensão da validade argumentando que nesse prazo muitos candidatos perdem o interesse e isso prejudica o bom andamento dos trabalhos.
O assunto foi pauta judicial contra o Banco do Brasil. Até junho de 2010 serão aproveitados primeiro os aprovados no concurso de 2006, para somente depois começarem a chamar os bem-sucedidos em 2008. Até o fim de junho, 1.682 aprovados haviam sido chamados, de um total de 2.744 aptos a ingressarem na carreira de escriturário.
Na Caixa, há dois concursos válidos. Um de 2006, que já chamou mais de 8,1 mil classificados, e outro de 2008, responsável por 4.143 convocações. Apesar dos números altos, esses órgãos devem encurtar a validade das seleções.
Na administração direta do Executivo, há limitações para convocação. Antes do Decreto nº 6.944, de 2009, eram convocados aprovados correspondentes ao exato número de vagas definidas. Com a nova legislação, durante o período de validade do concurso, o Ministério do Planejamento %u201Cpoderá autorizar a nomeação de aprovados e não convocados, podendo ultrapassar em até 50% o quantitativo original de vagas%u201D. No mesmo documento, o Planejamento poderá autorizar concurso para formação de cadastro de reserva de %u201Ccargos efetivos de natureza administrativa, ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal%u201D. (LN)