Jornal Correio Braziliense

Economia

União ignora queda na arrecadação e prevê acréscimo de R$ 110 bi na receita para 2010

A previsão de aumento de R$ 110 bilhões na receita para 2010, previsto pelo governo no Orçamento (1) para 2010, deixou em sobressalto a oposição e técnicos da Câmara dos Deputados. Nos cálculos do governo, mesmo diante da nona queda consecutiva na arrecadação federal, a receita primária vai saltar da estimativa atual de R$ 743,2 bilhões para R$ 853,6 bilhões no próximo ano. [SAIBAMAIS]Adversários políticos classificaram os números do Executivo como ilusórios. As cifras causaram polêmica até na Consultoria de Orçamento e Finanças da Câmara. Alguns consultores disseram que a receita estava superestimada. Outros analisaram com mais cautela, comentando que os valores são sinal do excesso de otimismo do governo diante do cenário de crise. Para alcançar os R$ 110 bilhões de acréscimo o governo lançou mão, de maneira generosa, de artifício pouco utilizado até então: colocou na cota das chamadas receitas extraordinárias uma previsão de R$ 31 bilhões. Essas receitas não são calculadas com bases nos parâmetros convencionais e dependem de cenários econômicos atípicos para se consolidar. Crédito-prêmio IPI O pagamento do crédito-prêmio IPI (Imposto sobre Produtos Industrializado) foi, por exemplo, citado pelos consultores como um dos fatores que podem ter influenciado o valor expressivo atribuído às receitas atípicas. Decisão do Supremo Tribunal Federal garantiu ao governo o direito de cobrar o pagamento de R$ 70 bilhões em impostos devidos à União. O problema é que esse valor não está depositado em juízo e, portanto, não deve ser pago de uma vez. O projeto de lei enviado pelo Executivo em 2007 não contava com previsão de receitas atípicas. Em 2008 houve uma previsão de R$ 10 bilhões. Na peça enviada este ano, o valor triplicou. Especialistas analisaram o aumento da previsão de receitas extraordinárias como "ousadia" do governo. Outro fator que contribui para o cenário de aumento significativo da receita é o crescimento da arrecadação previsto para 2010. Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, serão arrecadados R$ 80 bilhões a mais no ano que vem. O próprio relator do orçamento, o deputado Geraldo Magela (PT-DF) admite que a proposta é "otimista". "A expectativa é de que já no terceiro trimestre haja a normalização da arrecadação. Isso demonstra o otimismo com que o governo lida com a crise. Acredito que podemos cumprir a expectativa e vou trabalhar com esses números", afirmou. A oposição, por sua vez, pediu a elaboração de estudos técnicos detalhados sobre o aumento da receita. "Acho que isso tudo pode ser uma grande ilusão. O que está sendo feito é %u2018mandracaria%u2019 para ver se viabilizam a sucessão presidencial", atacou o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP). A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Receita para que o órgão comentasse o aumento na previsão de arrecadação, mas não recebeu resposta. O governo precisará contar com todo o dinheiro disponível para fechar as contas. Na peça orçamentária prevê gastar R$ 802 bilhões dos R$ 853 bilhões que pretende ter de receita. No entanto, algumas despesas que não foram contabilizadas devem dar dor de cabeça ao relator. Ele terá que encaixar, como revelou o Correio na edição de ontem, os R$ 3,5 bilhões referentes ao acordo fechado para o reajuste do benefício dos aposentados e pensionistas que ganham mais de um salário mínimo. Outros R$ 3,6 bilhões dizem respeito a compensações da Lei Kandir aos estados exportadores. O reajuste de 10% no valor do Bolsa Família, que vai onerar os cofres públicos em R$ 1,19 bilhão ao ano, também está fora. 1 - Programação O Orçamento é o principal instrumento de planejamento das ações da administração federal. Nele, o governo estima as receitas e fixa as despesas ao longo de um ano, fazendo, ao mesmo tempo, a programação de execução dos projetos distribuídos pelos ministérios. Os cálculos sobre o caixa e os gastos levam em conta parâmetros como crescimento da economia, inflação, taxa de juros e câmbio. A despeito de ser uma extensa programação, o Orçamento é tido como peça fictícia, raramente cumprida à risca. O comum tem sido o governo fazer o gerenciamento por meio do contingenciamento de verbas.