Jornal Correio Braziliense

Economia

Crise na Receita Federal estimula sonegação fiscal

A guerra de poder travada dentro da Receita Federal desestruturou o sistema de fiscalização do órgão, sobretudo na área previdenciária, facilitando o aumento da sonegação. Desde o início de julho, quando a disputa entre grupos de auditores explodiu, culminando com a demissão de Lina Maria Vieira do comando do Fisco, o costumeiro aperto sobre as empresas afrouxou. No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cuja área de arrecadação está vinculada à Super-Receita, já começam a aparecer os sinais com o descaso no controle das receitas. "Está complicado. Nas últimas semanas, notamos que empresas começaram a não recolher as suas contribuições em dia. Se esse movimento continuar, teremos sérios problemas mais à frente", disse ao Correio um técnico da Previdência Social. [SAIBAMAIS]Para se ter uma ideia do caos que se instalou no sistema arrecadatório da Receita, até as empresas que prestam serviço ao Ministério da Fazenda estão sonegando impostos. Há funcionários denunciando que, além de não repassarem para o Leão as contribuições patronais, as firmas estão cometendo o crime de apropriação indébita, pois descontam o INSS dos contracheques dos trabalhadores, mas não repassam os valores para o governo. "Na verdade, a falta de disposição da Super-Receita em controlar melhor as receitas previdenciárias não vem de hoje. Mas, com a crise na qual o órgão se meteu, todos os problemas se explicitaram", acrescentou o técnico. Ao que tudo indica, essa conta cairá no colo do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado. Foi ele quem comandou o processo de aparelhamento da Receita ao indicar sindicalistas para postos-chaves na estrutura do órgão, inclusive Lina Vieira. Ontem, ao ser questionado sobre o desmantelamento do Fisco e a demissão de Lina, ele se mostrou extremamente irritado. "Eu não falo, eu só executo", declarou, durante o lançamento do livro Dívida Pública: a experiência brasileira. O problema, segundo seus auxiliares, é que ele provocou um grande estrago e terá que torcer para que o novo secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, consiga conciliar os ânimos e botar a casa em ordem. Descontrole Funcionários terceirizados do ministério denunciam que, entre 2004 e 2009, pelo menos cinco empresas passaram pelo Ministério da Fazenda. Em quatro delas, os funcionários ficaram surpresos ao verem os extratos de contribuição sem os valores descontados nos contracheques. Esses funcionários contaram que uma das empresas que decretou falência, a Ravele, deixou débitos de quase um ano com o INSS. "Tenho 10 anos de carteira e somente cinco de Previdência paga. Quem vai bancar esse prejuízo para a minha aposentadoria?", questionou uma terceirizada, que não quis se identificar. Para outra empregada, a surpresa veio quando ficou doente. Ela deveria receber o auxílio-doença do INSS. "O nome da empresa nem constava no sistema da Previdência, mas, todos os meses, ela descontava R$ 71,23 do meu salário", denunciou. Por conta desse problema, recebeu apenas 62% do que teria direito. "Tenho três anos a menos de contribuição. A maioria das pessoas nem sabe que a empresa não deposita", alertou. Segundo um outro empregado, é hábito no Ministério da Fazenda as empresas terceirizadas não contribuírem à Previdência, mesmo estando debaixo das barbas da Super-Receita. O pagamento só é feito quando as empresas decretam falência e os empregados entram na Justiça. Mesmo assim, nem tudo o que é devido é pago. Para um respeitado auditor, a falta de interesse da Super-Receita pela arrecadação do INSS vem desde 2007, quando o órgão foi criado. "A questão da fiscalização previdenciária ainda está em fase de ajustes. Tem uma série de sistemas que não estão integrados", afirmou a vice-presidente de Políticas de Classe da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita (Anfip), Maria do Carmo Pimentel. Quando houve a fusão da fiscalização previdenciária com a antiga Receita, muitos fiscais do INSS migraram para serviços burocráticos. Esperava-se que, com a chegada de Lina à Receita, a situação mudasse. Mas não foi o que aconteceu. "O serviço está meio parado", admitiu Maria do Carmo.