O sinal mais forte da confiança na economia brasileira surgiu recentemente nos boletos de crediário do comércio. Em maio, o prazo médio dos financiamentos concedidos aos consumidores chegou a 495 dias - ou um ano e quatro meses para quitar a compra. Trata-se do maior resultado já registrado pela série histórica do Banco Central, iniciada em julho de 1994, na época de lançamento do Plano Real.
Desde a estabilização da economia, há 15 anos, os comerciantes têm estendido o prazo das compras e elevado as vendas graças à crescente concessão de crédito. Em maio do ano passado, o prazo médio das vendas havia chegado a 456 dias - ou um ano e três meses. Mas em setembro esse processo foi bruscamente interrompido pela crise deflagrada pela quebra do banco americano Lehman Brothers.
A partir daí, os bancos se retraíram, as fontes de financiamento secaram e os comerciantes reduziram os prazos do crediário, temendo um aumento do desemprego e da inadimplência. Mas, ao contrário de outras crises, dessa vez os prazos longos dos financiamentos ao consumidor estão voltando rapidamente. "Isso se deve à ação mais intensa dos bancos públicos de expandir o crédito para as famílias. Os bancos privados vêm a reboque", diz o sócio da RC Consultores, Fabio Silveira.
Existem também razões mais gerais que explicam a rápida recuperação do crediário, como o fim do pânico entre os bancos, a retomada da confiança na economia, a queda da taxa básica de juros e o início de uma reação no mercado de trabalho. Agora quase todos os prazos da economia estão sendo esticados, o que ajuda os consumidores, as empresas e o governo a se financiar.
Silveira ressalta ainda que a melhora dos financiamentos no comércio é puxada pelas linhas de crédito consignado e de veículos, que têm os parcelamentos mais longos, e são as menos arriscadas. No crédito consignado, o desconto é feito na folha de salários. E os veículos podem ser recuperados em caso de inadimplência.
"A política do governo é de fortalecer o crédito na ponta", diz Silveira. Com isso, há um efeito indutor em outros setores. Ou seja, quando fica mais fácil comprar um carro, toda a cadeia de produção, das autopeças à indústria metalúrgica, além de serviços, como o licenciamento e seguro, acompanham o crescimento.
O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, atribui a rapidez da melhora do crédito a duas razões. "A estabilidade da economia e o maior amadurecimento fazem com que as condições de crédito sejam restabelecidas rapidamente."
Além disso, Oliveira diz que o fato de a taxa básica de juros, a Selic, estar em um dígito (9,25% ao ano), algo inédito na economia brasileira, força os bancos a reduzir as aplicações em títulos de governo e ampliar o crédito ao consumidor, que ficou mais atraente.
Ele lembra também que, apesar do alongamento dos prazos, o parcelamento do crédito no Brasil é curto, se comparado com os prazos de outros países. Antes da crise, era possível financiar a compra de um carro nos EUA em dez anos e a de uma casa em até 40 anos.
Os financiamentos de longo prazo, que podem parecer arriscados à primeira vista, na prática são um ótimo negócio para os bancos.
O economista Fábio Pina, da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio) fez uma simulação levando em conta a venda de carros no valor de R$ 50 mil, com um prazo de 80 meses, entrada de 20% do valor total da compra, juros mensais de 2,61% e índice de inadimplência de 10% dos clientes. Pelas contas do economista, o custo do carro para o banco já é quitado na 33ª parcela, ou seja, antes da metade do contrato. Isso porque as taxas nos financiamentos estão superestimadas.