Jornal Correio Braziliense

Economia

Lula queima folga de caixa

Em época de ajustes para minimizar efeitos da crise, presidente sacrifica diretrizes econômicas e amplia gastos a fim de fortalecer a candidatura de Dilma

O presidente Lula está dando as cartas como nunca na política econômica. Se até antes do estouro da crise mundial era visível que, na maioria das vezes, ele apenas sancionava o que definia a equipe econômica, agora, é a sua posição, mesmo que discordante da área técnica, que tem prevalecido. Não há argumentos do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ou do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que sobrevivam se Lula sentir que eles podem causar algum tipo de problema à candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sua sucessão. "A prioridade do presidente é eleger a Dilma. E ele vai usar a economia para isso, mesmo que a conta acabe caindo no colo da ministra, caso ela seja eleita", diz um dos ministros com mais trânsito do Palácio do Planalto. Lula está tão imbuído da missão de fazer de Dilma a vencedora em 2010 que até o compromisso de manter as contas públicas equilibradas já foi rasgado. "Ninguém aqui está falando de descontrole. O que está definido é o seguinte: se tivermos gordura para queimar, vamos fazê-lo sem dó. Afinal, desde que o presidente Lula tomou posse, o país fez o maior superávit primário da história. Nunca o governo economizou tanto para pagar juros da dívida pública", ressalta o mesmo ministro. "Arrumamos a casa. O país se tornou credor internacional. Não devemos mais nada ao Fundo Monetário Internacional (FMI), até emprestamos dinheiro para a instituição", complementa. Ou seja, a partir de agora, a pouco mais de um ano das eleições, o governo usará a sua estrutura para garimpar votos para a "mãe do PAC". Na avaliação do presidente, apesar da preocupação dos analistas com a forte queda do superávit primário, que, nos 12 meses terminados em maio, ficou em 2,28% do PIB ante uma meta de 2,50%, o governo não fará loucuras. Para Lula, "há espaço técnico" para aumentar determinados gastos sem que haja piora acentuada nas contas ou arranhões na confiança depositada no país. Enquadrados É com base nessa análise que o presidente tem enquadrado sucessivamente a equipe econômica (veja ao lado exemplos das divergências entre Lula e ministros) e os técnicos de segundo escalão, já chamados de "loucos". Mesmo com a queda na arrecadação, será anunciado, nos próximos dias, um reajuste do valor do Bolsa Família. Será o segundo afago, já que, no início do ano, o governo anunciou a inclusão de mais 1 milhão de famílias no programa. Somente na última semana, Lula deu quatro exemplos do que está disposto a fazer para que Dilma saia vitoriosa. Na segunda, estendeu a redução do IPI para os carros, eletrodomésticos e materiais de construção mesmo com o alerta de Mantega de que a arrecadação está em queda e do voto contrário do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Na terça, Lula definiu a meta de inflação de 2011 em 4,5%, a despeito dos argumentos do BC de que era a hora de o país buscar um novo patamar de alta para os preços, pois os indicadores apontam para índices abaixo de 4% nos próximos 24 meses. No entender de Lula, uma meta menor levaria o BC a aumentar os juros em ano de eleição, uma arma poderosa para a oposição (leia mais na página 15). Outro fato é que para Lula e Dilma, mais importante do que o desempenho do Fisco, é estimular o emprego e manter as centrais sindicais, fundamentais no jogo sucessório, no entorno do Planalto. Mesmo com a arrecadação em baixa, Lula determinou que sejam cumpridos os acordos de reajuste nos salários dos servidores. O presidente sabe do potencial eleitoral do funcionalismo. Considera-o estratégico, como os programas Bolsa Família e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por isso, não deu ouvidos ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, favorável ao adiamento. "Lula quer fazer, durante a campanha de Dilma, uma comparação entre o tratamento dispensado aos servidores pelo PSDB, que teria sucateado a máquina pública, e pelo PT, defensor dos aumentos e das contratações", revela outro ministro. A quarta decisão, anunciada na sexta-feira, foi a redução da meta de superávit primário de 2,50% para 1,85% do PIB. O ajuste vai ser feito por meio do desconto na meta do gasto de R$ 21,4 bilhões com as obras do PAC. Com isso, o governo conseguiu criar uma folga de cerca de R$ 6 bilhões. Em outros dois episódios, o fator político também atropelou o econômico. Quando da discussão sobre as mudanças na rentabilidade da poupança, o ministro da Fazenda e o presidente do BC sugeriram a possibilidade de se zerar a Taxa Referencial, que compõe parte da remuneração das contas. Se a proposta fosse aceita, todos os titulares da caderneta teriam seus ganhos reduzidos. "Vocês podem ser loucos, mas eu não sou", respondeu o presidente, rechaçando tal ideia. Mantega e Meirelles também colocaram sobre a mesa a possibilidade de fixar diferentes alíquotas de Imposto de Renda para saldos superiores a R$ 50 mil. A ideia foi engavetada porque o presidente e parlamentares aliados afirmaram ser necessário escolher um caminho de fácil compreensão pela população. Ficou clara a disposição de não criar ruídos que levassem as pessoas a comparar a decisão com o confisco da poupança promovido por Fernando Collor em 1990. Palanques No caso da ajuda aos prefeitos, coube a Dilma enquadrar os colegas. Integrantes da área econômica sugeriram que o governo só socorresse os municípios cujas receitas fosses formadas, principalmente, pelo Fundo de Participação dos Municípios. "Não me venham falar de superávit primário", reagiu a ministra-candidata. Ciente da importância dos palanques municipais em 2010, o governo baixou, depois da discussão interna, uma medida provisória ajudando todos os municípios, inclusive as capitais. O socorro foi de R$ 1 bilhão. Olhando para todos esses movimentos, o economista-chefe da Corretora Convenção, Fernando Montero, acredita que o governo já comprometeu a meta fiscal de 2010, que ainda está mantida, oficialmente, em 3,3% do PIB. Não é à toa que o sinal de alerta está aceso. Em 2009, houve a justificativa da crise para que o governo abrisse os cofres com o intuito de reativar a economia. No ano que vem, o único argumento para a gastança será a eleição de Dilma. Ultimas mudanças - Redução do IPI de automóveis, eletrodomésticos e material de construção - Permanência da meta de inflação em 4,5% - Manutenção do reajuste dos servidores - Desconto dos gastos em obras no superávit primário Divergências Equipe econômica foi contra manter IPI baixo e pagar o reajuste dos servidores. Mas Lula deu a palavra final Reajuste dos servidores 13/3 "A lei que aprovou os reajustes prevê que, se houver uma queda muito grande da receita, os aumentos poderão ser postergados" Paulo Bernardo, ministro do Planejamento 08/5 "Alguns aumentos previstos estão em análise. Vamos analisar a continuidade, ou não" Arno Augustin, secretário do Tesouro 19/3 "Vim do meio sindical e sei o quanto é importante o cumprimento de acordos. A minha ideia é cumprir" Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República IPI de carros 08/6 "(A prorrogação) termina em junho. E se você está pensando em comprar um automóvel, aproveite a oportunidade" Guido Mantega, ministro da Fazenda 05/6 "Não fizemos nenhum tipo de exercício para contabilizar uma postergação da isenção do IPI" Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento 10/6 "Minha posição é de que precisamos transformar isso (redução do IPI) em uma política permanente até você ter sinais totais de que a crise está debelada" Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República