Sob o comando do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que cooptou os votos de cinco diretores da instituição ; todos, funcionários de carreira ;, o Comitê de Política Monetária (Copom) contrariou as expectativas do mercado e cortou ontem a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, de 10,25% para 9,25% ao ano. A decisão, considerada surpreendente até pelo presidente Lula, atendeu, pela primeira vez, ao pleito dos empresários, que suspenderam os investimentos produtivos, ressabiados com a recessão que tomou conta do país. Mais do que isso: tornou-se um marco. Pela primeira vez, desde 1986, quando a taxa Selic foi criada, os juros básicos da economia ficaram em um dígito. Se levadas em conta as taxas de mercado, desde 1974, quando o Brasil estava sob o comando dos militares e vivia o ;milagre econômico;, não há registro de juros abaixo de 10%.
O gesto de ousadia do BC veio, porém, acompanhado de um aviso: não há mais garantia de reduções na Selic daqui por diante. ;Levando em conta que mudanças da taxa básica de juros têm efeitos sobre a atividade econômica e sobre a dinâmica inflacionária que se acumulam ao longo do tempo, o Comitê concorda que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa. O Copom acompanhará atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até a sua próxima reunião (em 21 e 22 de julho), para então definir os próximos passos da estratégia de política monetária;, ressaltou a instituição em comunicado oficial. Apenas dois diretores do BC, Mário Mesquita (Política Econômica) e Mário Torós (Política Monetária), ambos oriundos do mercado, votaram pela baixa de apenas 0,75 ponto na Selic defendida pelo sistema financeiro.
Apesar da ressalva, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, acredita que o Copom poderá reduzir a Selic até 8,75% nos próximos meses, mesmo que em doses homeopáticas. ;E o que ditará esse movimento será o nível de atividade da economia, como ocorreu nas últimas duas reuniões do Copom. Apesar de a queda do PIB (de 0,8%) no primeiro trimestre não ter sido tão grande quanto o esperado, os investimentos produtivos, que garantem o crescimento do país sem riscos inflacionários, desapareceram. O BC precisa fazer com que esses investimentos voltem. E o instrumento adequado para isso são juros mais baixos;, disse. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, endossou essa visão. ;Ao cortar um ponto na Selic, o BC mostrou sintonia com o ajuste rápido e intenso que o Brasil necessita. Os investimentos são condição necessária para o crescimento sustentável.;
Fim de um mito
Na avaliação da economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, que apostava no corte de um ponto nos juros, há espaço para a diminuição de pelo menos mais 0,5 ponto. E isso será possível por uma conjunção de fatores: a inflação sob controle ; o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,47% em maio, mas deve cair para um patamar próximo de 0,30% nos próximos meses ;, o dólar está em queda e a indústria opera com grande capacidade ociosa, o que inibe reajustes. Para Otávio Vaz, gestor de Renda Fixa da Global Equity, são mínimas as chances de o BC ser obrigado a aumentar os juros em 2010, quando se espera uma economia mais aquecida, crescendo próximo de 4%.
Segundo Patrícia Bentes, da Hampton Solfise, além de ter derrubado um mito, o de que o Brasil não pode conviver com taxas de juros abaixo de 10% ao ano sem pressões inflacionárias, o BC vai estimular os investimentos. ;Taxas menores incentivam o empresariado a enfrentar riscos no setor produtivo;, afirmou. Para o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas , Roque Pellizzaro, a decisão incrementará as encomendas para o Natal, pois o consumo será fortalecido. ;Foi um presente e tanto para a economia ver o presidente do BC peitando o mercado financeiro e priorizando o nível de atividade. São raras as vezes que os BCs fazem isso;, sentenciou um dos mais próximos assessores do presidente Lula.
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Meirelles, o político
O cartaz do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, subiu muito junto ao presidente Lula, que ontem à noite era só elogios à decisão do Copom de contrariar o mercado financeiro e reduzir a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, para 9,25% ao ano. Meirelles trabalhou arduamente nos últimos dois dias para convencer o maior número de diretores do BC a comprarem a ideia de que o país, mergulhado em uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda), precisa rapidamente de juros mais baixos para sair do atoleiro.
Ao fazer valer sua visão ; foram seis votos pela baixa de um ponto contra dois por uma redução de 0,75 ponto ;, Meirelles aderiu ao figurino do desenvolvimentista, que tem o crescimento econômico como foco principal. Não se pode esquecer que Meirelles tem pretensões políticas. Pode sair candidato a senador ou ao governo de Goiás em 2010. Certamente, com a economia voltando a crescer a um ritmo de 4% já no fim deste ano, terá muito o que vender aos eleitores. À frente do BC, botou a inflação dentro das metas, de 4,5% ao ano; transformou o Brasil em credor internacional; e, claro, derrubou os juros para um dígito ; um feito se levarmos em conta que, em fevereiro de 1990, um mês antes de Fernando Collor de Mello assumir o governo, os juros chegaram a inacreditáveis 438.769%. (VN)
Redução nos bancos
Imediatamente após a redução dos juros pelo Copom, o Banco do Brasil , Bradesco e Santander divulgaram queda de taxas em diversas modalidades de empréstimo. A Caixa Econômica já tinha se antecipado e anunciado a queda um dia antes, mas as novas taxas só começam a valer na segunda. O destaque da queda dos juros no BB é para o crédito consignado para aposentados do INSS (1,57% ao mês) e para a compra de material de construção. Nessa linha as novas taxas variam de 1,66% a 2,85% ao mês.
No Bradesco caíram as taxas do crédito pessoal, financiamento de veículos e cheque especial, além de outras linhas de financiamento para as empresas. No crédito pessoal a nova mínima é de 3,11% ao mês, enquanto que no leasing veículos a taxa mínima é de 1,61% ao mês. A nova taxa mínima do cheque especial é de 4,58% ( era 4,66% ao mês), enquanto a máxima baixou de 8,36 % para 8,28% ao mês. As taxas entram em vigor nesta sexta. (Da Redação)