A crise econômica acentuou as divergências salariais em Brasília, cidade caracterizada por ter um dos maiores abismos entre ricos e pobres do país. De setembro de 2008 a fevereiro deste ano, a renda dos 10% mais carentes do Distrito federal, com salários de até R$ 415, subiu 1,4% enquanto a dos 10% mais abastados, que ganham acima de R$ 4.617, aumentou bem mais: 5,4%. Em média, o reajuste dos 1,1 milhão de trabalhadores ocupados da capital federal foi de 4,3% no período.
Com um incremento diferenciado, a proporção do salário dos 10% mais ricos recebida pelos 10% mais pobres voltou a diminuir após anos de recuperação. De fevereiro de 1996 a fevereiro de 2008, a relação saltou de 5,2% para 9,4%. Os primeiros sinais da crise, no entanto, inverteram a trajetória. A renda dos mais pobres hoje equivale a 8,9% da recebida pelos mais ricos (veja quadro), segundo estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido do Correio ; o número mais recente se refere a fevereiro de 2009.
O volume vinha aumentando ano a ano alavancado pelo crescimento econômico, políticas de valorização do salário mínimo ; os acréscimos puxam também a renda dos que recebem frações do mínimo ;, e a concessão de benefícios assistenciais. Em época de crise a alta das disparidades é esperada, de acordo com especialistas em mercado de trabalho e em pobreza. Segundo eles, tradicionalmente o desaquecimento da economia castiga mais a população de baixa renda que os demais trabalhadores.
;A crise prejudica mais os mais pobres, que dependem mais de uma evolução favorável da economia que os outros. É de se esperar que aumente a concentração de renda em épocas de crise. O desemprego está aumentando e ele cresce primeiro entre a mão de obra menos qualificada;, afirma o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Demo, especializado em estudos sobre a pobreza.
No Distrito Federal, a lacuna entre os dois grupos se torna ainda maior em função do grande número de servidores entre os 10% mais ricos ; 75% dos que fazem parte do grupo trabalham no setor público ;, uma vez que a categoria não sofre com a ameaça de desemprego e tem conseguido manter os reajustes salariais negociados com o governo antes da turbulência econômica. ;A crise sempre vai afetar a população mais pobre porque aumenta o desemprego e torna o trabalho mais precário. Já os 10% mais ricos, como são servidores, não sofrem tanto com a crise;, destaca o técnico do Dieese Antônio Ibarra.
Integrante desse universo, a moradora da Estrutural Vera Lúcia da Silva, sócia de uma loja de aluguel de vestidos de noivas e de festas, tem sentido o desaquecimento da economia. Com uma renda mensal que atualmente gira entre R$ 300 e R$ 400, considerando os R$ 130 recebidos do Bolsa Família, Vera Lúcia, de 29 anos, diz não saber como chega ao fim de cada mês. Recém-separada do marido, ela mora com o filho de sete anos e tem a ajuda da sogra para colocar comida na mesa todos os dias. Mas as contas atrasadas se acumulam. A culpa, arrisca, é da crise econômica, que diminuiu a demanda na loja.
O ritmo dos casamentos reduziu com a crise, segundo Vera Lúcia. ;No ano passado, eu alugava em torno de sete vestidos por mês. Em abril, aluguei apenas três vestidos. Acho que as pessoas estão adiando os casamentos por causa da crise.; Cada noiva tem que desembolsar em torno de R$ 350 para alugar o próprio vestido e dois para as damas de honra. A tendência é que os negócios continuem frios até mesmo neste mês, conta. ;Mês das noivas aqui na Estrutural é em dezembro, que é quando as pessoas recebem o 13º salário e podem gastar mais.; Enquanto isso, as contas continuam atrasadas. ;Estou devendo há muitos meses as contas de água e luz, tenho dívidas com o cartão de crédito e uma dívida de uma televisão que comprei no ano passado, não sei como vou pagar tanta coisa.;
Perfil dos extremos
Não são só as diferenças salariais que dividem os dois grupos. As características dos 10% mais pobres e dos 10% mais ricos também os colocam em mundos bem diferentes. De cada 10 pessoas que constituem o contingente de 110 mil pessoas que ganham salários de até R$ 415, sete são mulheres. Já entre os que têm maiores salários elas são minoria ; equivalem a 39,7%. Entre os mais ricos não há funcionários do comércio ou empregados domésticos, por exemplo, enquanto 13,1% dos mais pobres estão no varejo e outros 27,6% desenvolvem atividades domésticas.
Dos que ganham mais, 74,9% trabalham no setor público, onde não há nenhum componente dos 10% mais pobres. Os locais de moradia também os dividem. Mais de um terço, 37,6%, dos que ganham acima de R$ 4. 617 moram no Plano Piloto ou nos lagos Sul e Norte. Outros 49,6% moram nas cidades de renda intermediária do DF e apenas 12,8% moram nas regiões mais carentes. Já entre os mais pobres não há nenhum morador do Plano Piloto ou dos lagos e 60,3% moram nos locais mais pobres do DF.