José Francisco de Lima Gonçalves, é um dos analistas mais cultuados dentro do Banco Central. Tudo o que ele diz ou escreve é lido com lupas pela equipe de Henrique Meirelles. Pois Kiko, como é chamado pelos colegas, avisa que está nas mãos do governo evitar que o Brasil mergulhe de vez na recessão e evite uma onda de desemprego. A seu ver, é preciso que as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deslanchem, que a Petrobras realmente toque seus investimentos e, sobretudo, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) libere, senão tudo, pelo menos uma boa parcela dos R$ 100 bilhões que recebeu do Tesouro para financiar o setor produtivo. ;É por ter dúvidas em relação à capacidade do governo de tocar seus projetos que os analistas afirmam que não há como o Brasil crescer mais do que 1% neste ano;, diz. Ele faz ainda duas ressalvas: Primeira: não há nada no horizonte que justifique um corte menor do que 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic) em março. Segunda: se os EUA não resolverem logo seus problemas, uma nova crise pode varrer o mundo e as consequências para o Brasil serão muito piores do que as que se viu até agora. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Gonçalves concedeu ao Correio Braziliense.
Obras contra desemprego
O Brasil está em recessão?
Existe um conceito de recessão técnica, de dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Mas esse não é o ponto. Temos, de fato, uma piora expressiva na economia. Os investimentos produtivos, que vinham crescendo de uma maneira que não se via desde meados dos anos 1970, e o emprego, que se expandia com qualidade e aumento do rendimento real, se retraíram muito. É verdade que existem algumas evidências de que essa retração foi mais um susto e que tudo voltará para um nível, se não igual ao anterior à crise, pelo menos razoável. Mas há indicadores muito fortes de que a contração pode piorar. E da forma como estamos vendo a economia hoje, não há como se falar em crescimento superior a 1% neste ano.
Quando teremos um quadro mais claro da economia, a ponto de medir os reais efeitos da crise?
Até os primeiros 10 dias de março, quando veremos indicadores importantes da atividade (produção e consumo). Mas, para as pessoas comuns, o que contará é se o mercado de trabalho vai bem, se conhecem alguém que perdeu o emprego. E não há como negar que o ajuste no mercado de trabalho em novembro e dezembro foi muito forte e continuou ruim em janeiro e fevereiro. Na indústria, quem fazia hora extra parou de fazer. Quem não fazia, ou perdeu o emprego ou está negociando redução de salário e de jornada. Não vejo como a taxa de desemprego chegará a dois dígitos. Mas, com certeza, a qualidade do emprego vai piorar e a informalidade vai aumentar.
O senhor acredita que as medidas anunciadas pelo governo serão suficientes para minimizar os efeitos da crise e evitar uma onda de desemprego e uma possível recessão?
O governo está tentando destravar o crédito, colocando o BC e a Caixa para emprestar a juros mais baixos, de modo a manter as concessões em nível razoável. Está fazendo gastos compensatórios, que englobam as obras do PAC, o aumento do salário mínimo acima da inflação ; o que é expressivo para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste ; e o Bolsa Família. E, o mais importante, injetou R$ 100 bilhões no BNDES para financiar investimentos. Não sei se o banco conseguirá liberar todo esse dinheiro. Mas se conseguir emprestar 30%, serão R$ 30 bilhões, o equivalente a 1% do PIB brasileiro. Além disso, é importante que a Petrobras mantenha seus investimentos e que as obras do PAC andem. Isso ajudará bastante o mercado de trabalho.
O problema é que o governo não consegue deslanchar seus projetos%u2026
Por isso são tantas as dúvidas sobre o crescimento do país neste ano. Se o PAC não andar, se a Petrobras não investir, se o BNDES não liberar um tostão, se a Caixa não lançar o pacote de habitação, se tudo isso não acontecer, o Brasil crescerá menos de 1%. Não posso colocar isso na conta e dizer que o país crescerá mais de 1% porque o BNDES vai liberar 60% dos recursos, a Petrobras vai investir metade do que prometeu, o pacote da Caixa vai sair e a Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil) botará o PAC para andar mais rápido. Como analistas, botamos nos cálculos do PIB o que é visível hoje. E o que é visível é um crescimento abaixo de 1%. Na medida em que o governo e o setor privado demonstrarem que continuarão investindo, que isso vai segurar o mercado de trabalho, vamos ajustar os números.
Como será a contribuição do Banco Central para evitar um tombo maior da economia?
Tenho uma crítica ao BC, que não é de hoje, sobre uma certa lentidão para derrubar a taxa de juros. Na verdade, em dezembro, já esperávamos a queda dos juros e fomos frustrados. Agora, todo o esforço que está sendo feito pelo BC ao liberar compulsórios, tentar reduzir o spread bancário e, principalmente, dar crédito às empresas exportadoras e às companhias com dívidas em dólar é louvável. Essa atuação do BC é importante porque tira a pressão sobre o câmbio e sobre o mercado doméstico de crédito.
Que espaço o senhor vê para a queda dos juros num momento em que a inflação volta a subir?
O BC foi muito bem quando baixou a taxa Selic em um ponto percentual em janeiro. Foi uma surpresa. E o BC, que estava sendo visto como atrasado no processo de corte de juros, passou, de uma certa maneira, à frente das expectativas. Isso significa que pode fazer uma sintonia mais fina na política monetária. Para a felicidade ou sorte do BC, tudo o que era de boa notícia para a inflação até duas semanas atrás deu uma invertida. Não quero dizer, com isso, que a inflação está indo para 6% ou 7% ao ano. Não é isso. Mas, desde 24 de novembro, todo mundo errou as expectativas de inflação para cima. O consenso de mercado sempre esperava mais inflação do que veio. Isso durou até 10 dias atrás. Agora, estamos errando para outro lado, correndo atrás. Não é nenhuma derrota acachapante. São erros pequenos. A tendência é de o Copom (Comitê de Política Monetária) manter um ritmo de cortes que levará a Selic para 11% no fim do ano. Para a reunião de março, a minha expectativa ainda é de redução 0,75 ponto. Será preciso uma notícia muito ruim para cortar menos do que isso.
O governo diz que o futuro da economia brasileira depende do que acontecer nos EUA. É isso mesmo?
Está claro que o mundo inteiro depende do que acontecerá nos EUA. E é preciso que se encontrem soluções rápidas, pois está ficando claro é que aquela crise aguda de setembro do ano passado pode não ter sido a última. Temos US$ 200 bilhões em reservas cambiais que nos ajudaram. O BC tem uma linha de troca de moedas (swap) com o Fed, o BC americano, de US$ 30 bilhões. O risco da dívida soberana brasileira caiu muito, o setor público tem feito um superávit primário robusto e o Brasil é credor em dólar. Mas se nada for resolvido nos EUA, se houver outra rodada de crise com a quebra de bancos, não adiantará nada. Provavelmente vamos sofrer mais do que já sofremos, pois, para crescer mais de 1%, o Brasil terá que importar e não vai exportar. Teremos, então, a ameaça de uma crise cambial que nos pegará como sempre nos pegou, por mais que tenhamos os US$ 200 bilhões em reservas.