Jornal Correio Braziliense

Economia

Mercado está dividido sobre corte dos juros, o que torna a decisão do BC mais difícil

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Apesar do consenso de que a taxa básica de juros (Selic) cairá na próxima quarta-feira, há muito tempo o mercado não se mostrava tão dividido quanto ao tamanho da queda que será sacramentada pelo Comitê de Política Monetária (Copom). As apostas vão de um corte de 0,5 ponto percentual até 1,5 ponto, o que tornará a decisão do Banco Central um marco. Tamanha discrepância tem um motivo: a cada novo indicador de atividade divulgado, seja da indústria, do comércio ou do mercado de trabalho, o que se vê é uma economia caminhando rapidamente para a recessão. ;A expectativa é de que, com a redução dos juros, o BC consiga mudar os rumos. A diminuição da Selic terá a importante missão de reverter o pessimismo que travou a produção e o consumo;, diz, coberto de razão, o economista Fábio Romão, da LCA Consultores. Uma análise fria mostra que, apesar dos estragos provocados pela crise, o país continua com bons indicadores: a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) está em queda, o superávit primário continua sendo cumprido sem traumas e, melhor, a inflação caiu, caminhando rapidamente para o centro da meta, de 4,5%, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). ;O problema é que o psicológico tomou conta da economia;, diz o professor Manoel Henriquez Garcia, da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP). ;Diante de tantas notícias ruins vindas do exterior, espalhou-se a idéia de que tudo está perdido, que vamos de mal a pior. O resultado disso foi uma parada brusca na produção industrial e a suspensão do consumo, pois se passou a temer o desemprego;, frisa. ;Ao sinalizar para os agentes econômicos que a política monetária será flexibilizada, o pessimismo tende a diminuir. Tanto as empresas quanto os consumidores se sentirão mais motivados a produzir e a comprar;, explica a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. Para ela, é vital que os juros em baixa destravem o nó que fez escassear e encarecer o crédito. Os bancos, acrescenta, estão com bastante dinheiro em caixa, mas não se sentem motivados a emprestar por desconfiança. Temem que um tombo acentuado do PIB acabe tornando ainda maior a onda de desemprego, o que, em última instância, acabará em calote. ;Mas sem crédito as empresas não investem no aumento da produção e as famílias não consomem. Não há crescimento que se sustente;, ressalta o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho. Tombo no PIB Até duas semanas atrás, os analistas davam como certo um corte de 0,5 ponto na Selic. Baseavam suas apostas no conservadorismo e no gradualismo que sempre pautaram o BC na condução da política monetária. Mas tudo mudou em uma velocidade impressionante. ;Os dados recentes de atividade apontam para uma desaceleração muito mais acentuada do que o esperado e sem a perspectiva de retomada no curto prazo;, diz a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli. Contudo, enfatiza ela, mais preocupante do que a queda do PIB no último trimestre de 2008, que pode chegar a 2% frente aos três meses anteriores ; o maior tombo para um quarto trimestre desde 1991 ;, é a ausência de sinais de alguma recuperação nos próximos meses. Foi por isso que Maristella mudou sua projeção para a Selic. Agora, acredita em uma redução mínima de 0,75 ponto, mesma aposta do economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, que faz um alerta desanimador: com a retração do PIB nos últimos três meses de 2008 e no primeiro trimestre deste ano, o Brasil estará tecnicamente em recessão. Será a sétima contração da economia brasileira em 20 anos e a 10ª em 28 anos. Isso significa dizer que, a cada 2,8 anos, o Brasil parou por pelo menos seis meses. ;O que angustia é que vivíamos o mais longo ciclo de crescimento em três décadas;, emenda o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. Mas, apesar de reconhecer que o tombo atual da economia é preocupante, ele mantém a projeção de baixa de apenas 0,5 ponto. Para ele, ainda há riscos inflacionários rondando o país, devido à alta de mais de 50% dos preços do dólar desde agosto do ano passado. Em algum momento, acredita Leal, essa valorização será repassada para os preços, revertendo o cenário benigno para a inflação. Esse argumento, por sinal, foi apontando pelo BC como o motivo principal para a Selic não ter caído pelo menos 0,25 ponto em dezembro. Na visão de Nilson Teixeira, economista-chefe do Banco Credit Suisse, tal risco foi enterrado pela forte queda dos preços das commodities (matérias-primas com cotação internacional) e pela forte contração do consumo, que elevou os estoques das empresas e está inibindo qualquer reajuste. Segundo Teixeira, a Selic deveria cair entre um e 1,5 ponto já, dando um choque de ânimo no país. No entender de Gian Barbosa, economista da Consultoria Tendências, o corte da Selic deve ser forte e rápido, com os juros chegando a junho em 11%, de forma que, no segundo semestre, a atividade mostre reação. O presidente da Concórdia Corretora, Ricardo Amorim, vê espaço para que a Selic feche o ano em 10%. Esse é o desejo do presidente Lula, que está convencido de que o presidente do BC, Henrique Meirelles, cumprirá a promessa de baixar os juros o ;máximo que puder; para minimizar os efeitos da crise e contribuir para que a meta de crescimento de 4% neste ano seja atingida. O entrave é que Meirelles não está nada satisfeito com o ;fogo amigo; disparado nos últimos dias, que o colocou com um pé fora do BC às vésperas de ele se tornar o mais longevo comandante da instituição.