O repique do câmbio não contaminou ainda a inflação, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não descarta um impacto nos próximos meses. Segundo Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do instituto, as "evidências históricas" mostram que a alta do dólar se reflete nos índices de preço e afeta, em primeiro lugar, os alimentos.
"A continuar essa escalada [do dólar], pode ser que mais para a frente se perceba [o efeito na inflação]. A experiência tem mostrado, nas séries históricas do IBGE, que os primeiros impactos se vivenciam nos produtos alimentícios e nos artigos de higiene e limpeza. Depois, vai chegando a eletrodomésticos e artigos de TV e som, itens que têm influência direta do dólar", disse.
Em setembro, porém, o câmbio não pressionou ainda a inflação. Na esteira da queda dos alimentos (-0,27%), o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) subiu 0,26% no mês passado, pouco abaixo do 0,28% registrado em agosto. Foi a menor taxa desde setembro de 2007 (0,18%). No ano, o índice acumula alta de 4,76%, ainda sob reflexo da forte alta do grupo alimentação no período -9,29%.
Já para os próximos meses, a expectativa é de uma inflação maior. A Tendências Consultoria colocou sob revisão sua projeção para a inflação de 2008. "O risco de estourar o teto da meta do governo [6,5%] existe, sim, ainda mais num cenário de crise. Estamos fazendo os cálculos, mas nossa projeção deve ser revista para cima", afirma Marcela Prada, economista da consultoria.
Prada afirma que em setembro os primeiros sinais de contágio do câmbio já foram sentidos nos índices de preço por atacado, sem, no entanto, chegar ao varejo.
Segundo ela, o efeito do câmbio vai superar a contribuição benigna da queda de preço das commodities agrícolas no mercado internacional. "Em setembro, o câmbio se valorizou em 17%, enquanto o índice médio do preço das commodities caiu 6%. Ou seja, isso indica que o saldo foi ruim. Há uma pressão inflacionária."
Foi justamente a queda das commodities, segundo Eulina Nunes dos Santos, que levou à deflação dos alimentos em agosto e setembro. O IPCA, por sua vez, só não caiu mais em setembro por causa da alta de produtos não-alimentícios, especialmente serviços (0,55%), transportes (0,39%), vestuário (0,70%) e artigos de residência. Alguns itens subiram sob efeito da demanda ainda aquecida.
Para a LCA Consultores, porém, "a transmissão da queda dos preços agrícolas do atacado para o varejo chegou ao nível máximo em setembro". Por isso, a consultoria estima um IPCA maior em outubro: 0,35%.
Menor demanda
Se o câmbio é um foco de pressão, a crise, por sua vez, vai comprimir a demanda e ajudar a segurar os aumentos de preços, dizem especialistas.
Para Thaís Marzola Zara, da Rosenberg Associados, "o câmbio depreciado terá um impacto sobre a inflação num primeiro momento, mas, no médio prazo, a atividade deprimida deve trazer a inflação de volta a níveis mais razoáveis". A alta dos juros no Brasil e a crise mundial, diz, vão conter a demanda e evitar reajustes de preço.
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ, diz que o peso do câmbio sobre a inflação dependerá do tempo em que a moeda ficará pressionada, mas também acredita que o menor consumo evitará fortes aumentos de preço.
Para Fábio Romão, da LCA, a disparada do câmbio é temporária e a moeda tende a voltar à casa de R$ 1,70 ao final do ano. Mas, se a alta perdurar, haverá um estímulo às exportações, o que pode restringir a oferta de produtos e elevar preços, de acordo com ele.