A concentração de rendimentos no Distrito Federal está diretamente ligada ao local de moradia do trabalhador. Quanto mais distante estiver do centro, menor é a proporção de renda que ganha. Quase 30% de todo o dinheiro que circula no DF está no Plano Piloto e nos lagos Sul e Norte, apesar de abrigarem apenas 10% de toda a população economicamente ativa (PEA) da unidade da federação. O volume é o mesmo de 10 regiões administrativas juntas ; Gama, Riacho Fundo, Candangolândia, Brazlândia, Ceilândia, Samambaia, Paranoá, São Sebastião, Santa Maria e Recanto das Emas ; que abrigam 55,3% da população brasiliense em idade ativa. Os números são do estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que cruza dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) com os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e há três domingos vem sendo divulgada pelo Correio.
Somados, os ocupados e desempregados dos lagos Sul e Norte correspondem proporcionalmente à mesma quantidade de pessoas da Candangolândia e do Paranoá juntas. A renda dos primeiros, no entanto, é sete vezes maior que a recebida pelos que moram nas duas cidades. Os trabalhadores da Candangolândia e do Paranoá sofrem mais com o desemprego. A falta de um trabalho fixo já virou rotina na família da brasiliense Mirian Lopes, de 28 anos. Ela, quatro irmãos, dois primos e a mãe dividem a mesma chácara na Candangolândia. Em apenas um lote foram erguidas as oito casas onde mora toda a família com 12 adultos e 22 crianças. Ninguém possui carteira de trabalho assinada. Alguns se viram fazendo bicos. A própria Mirian faz faxina uma vez por semana. Seu marido, Ednei Santos, faz trabalhos esporádicos como pedreiro, vigilante ou garçom. Ele não tem a carteira assinada há oito anos. Ela, nunca teve.
A única renda fixa do casal, que divide uma casa de quarto, sala e cozinha com os cinco filhos, é o benefício de R$ 120 do programa Bolsa Família, por manter três crianças na escola. Nos meses em que trabalham, o rendimento total raramente passa de um salário mínimo, segundo Mirian. ;Agora será uma época ainda pior. Com o início das chuvas, ele não consegue bico e a gente tem que contar com o que eu consigo tirar, que dá no máximo R$ 240 por mês.; Neste ano, uma das meninas não pôde ir para a escola por falta de recursos para comprar o material escolar. Somente em 2009 Mirian espera conseguir matricular a filha Tamara, de seis anos.
A desigualdade de renda no DF é pior que a registrada na média nacional. No ano passado, o Índice de Gini da capital federal, indicador utilizado pelo IBGE para medir o nível de concentração, chegou a 0,618, considerando a renda oriunda exclusivamente do trabalho. O índice brasileiro é de 0,557 ; quanto mais próximo for do número 1, maior é a concentração de rendimentos. Um exemplo da desproporção é a cidade de Ceilândia, a mais populosa do DF, que reúne 17,3% dos 2,4 milhões de brasilienses. Possui quase duas vezes mais trabalhadores que o Plano Piloto e os lagos juntos. A renda, no entanto, equivale a apenas um terço da verificada na região central. A cidade também abriga a maior parte dos desempregados do DF. Um em cada cinco pessoas que estão à procura de uma vaga mora em Ceilândia. Outro um quinto mora em Taguatinga ou em Samambaia.
Classe média
As cidades de renda intermediária estão tendo um incremento nos salários nos últimos anos, o que mostra uma consolidação da classe média, segundo o coordenador do estudo, o técnico do Dieese, Antônio Ibarra. As regiões com renda mais elevada reduziram a participação na PEA e naturalmente deixaram de abocanhar uma fatia tão grande do dinheiro em circulação. Já as cidades mais pobres possuem cada vez mais trabalhadores ativos, e, conseqüentemente, conquistam uma parcela maior. Já as regiões com renda intermediária, como Taguatinga, Guará, Cruzeiro, Planaltina e Sobradinho, perderam participação na PEA, mas ganharam na renda total.
Segundo Ibarra, além das razões macroeconômicas que levaram a um aumento de renda da população brasileira em geral, em algumas cidades, como Sobradinho e Planaltina, por exemplo, o aumento médio de renda tem uma explicação específica. No caso das duas cidades se deve à proliferação de condomínios nas regiões. ;Os moradores dessas casas ajudam a alavancar a renda média nessas cidades. Enquanto que na região mais rica, a participação da renda cai com o crescimento dos condomínios do Lago Sul e os apartamentos do início do Lago Norte;, afirma.
12% são domésticos
A fonte de renda varia de região para região dentro do DF. Em quase toda a capital federal, o governo, seja federal ou distrital, é o principal empregador. Mas há diferenças quando se considera o setor privado. De todos os moradores do Paranoá, cidade que reúne cerca de 2% dos 2,4 milhões de brasilienses, 12,6% são domésticos.
Já no Lago Sul, o destaque é para o volume de empresários. A região é que a concentra o maior número de empregadores do DF. De cada 10 adultos, dois têm uma empresa. Já no Recanto das Emas, está a maior proporção de assalariados, com ou sem carteira. De cada 10 trabalhadores, cinco são funcionários de alguém, sendo que quatro têm carteira assinada e um não tem, segundo o estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Na Candangolândia o destaque está no volume de autônomos. A cidade possui 18,1% de seus moradores trabalhando por conta própria. Assim como os funcionários sem carteira, eles ficam descobertos dos direitos trabalhistas. O jeito é tentar garantir por conta própria alguns benefícios, como faz o vendedor de sorvete Antônio Romualdo Mariano, de 58 anos, que contribui para o INSS, mesmo estando há 20 anos sem carteira assinada. Depois de perder o emprego em 1987 e ter passado 10 anos fazendo bicos, ele começou a vender picolé e sorvete nas ruas do DF há 10 anos. Do rendimento médio de R$ 800, tira R$ 83 para a contribuição. ;É difícil ficar velho e não ter uma renda, isso também vale para o caso de eu ficar doente, por isso nunca deixo de contribuir;, afirma.
Os lagos são as regiões dos aposentados. Um quarto de todo o rendimento que circula nas duas regiões tem origem na aposentadoria. Na média da cidade, o percentual é de 16,1% do total. ;A renda mais elevada dos moradores do Plano permite que consigam se aposentar. Em outras cidades, mesmo depois de uma certa idade, os moradores continuam trabalhando para complementar ou até mesmo para garantir que tenham renda;, afirma o coordenador do estudo, Antônio Ibarra, técnico do Dieese.
Ficam acima da média, o Núcleo Bandeirante, Brasília, Candangolândia, Gama, Sobradinho e Guará. A menor participação dos aposentados da renda das famílias está em São Sebastião, onde os aposentados contribuem com apenas 1,6% de todo o rendimento.