A Casa dos Representantes (deputados) aprovou nesta sexta-feira o plano de ajuda bilionária ao setor financeiro proposto pelo governo, endossando assim a decisão do Senado tomada na quarta-feira (1/10). A aprovação coloca na mão do secretário do Tesouro, Henry Paulson, US$ 700 bilhões para tentar reverter a crise que abala o mercado financeiro. O pacote já recebeu mais votos a favor que o mínimo necessário para a aprovação.
Assim que o presidente George W. Bush sancionar o texto, o projeto vira lei. Mais cedo, os deputados haviam decidido que o pacote iria à votação sem sofrer emendas, o que evita a necessidade de nova discussão.
Os deputados mudaram de opinião --a proposta foi rejeitada na última segunda-feira por 228 votos contra e 205 a favor-- depois de acrescentados itens que "adoçaram" o remédio que parecia apenas destinado a salvar o setor financeiro. Entre os itens incluídos pelo Senado estão US$ 150 bilhões em isenções e benefícios fiscais para a classe média, pequenos empresários e famílias atingidas por acidentes naturais.
Paulson agora tem a anuência do Congresso para comprar um artigo conhecido por um nome pouco atraente: títulos "podres", ou papéis cujo resgate é muito improvável --conseqüentemente, cujo risco de calote é alto. A maioria destes ativos são ligados às hipotecas "subprime" (de alto risco), raiz da crise financeira que atinge os EUA.
Ainda que muito aguardado, o pacote aparentemente não bastou para convencer o mercado financeiro. Um dia depois do "sim" do Senado, a maior parte das Bolsas asiáticas fecharam em queda; as européias subiram ao longo do dia, mas fecharam em baixa.
Em Wall Street, a quinta-feira foi de forte retração, influenciada por dados sobre o setor industrial e pedidos de seguro-desemprego. O temor é que o pacote não tenha chegado a tempo para evitar a "R-word" (a forma como o mercado financeiro se refere à recessão). No Brasil, a Bovespa fechou ontem em baixa de mais de 7%.
Além disso, ontem o FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou documento no qual considera que o que começou como uma turbulência financeira há pouco mais de um ano, se tornou uma "crise intensa", que deve atingir duramente a economia dos EUA.
"[É] particularmente crucial que os poderes públicos adotem medidas enérgicas para favorecer o restabelecimento dos fundos próprios no sistema financeiro", diz o documento, que teve trechos divulgados ontem. "A reviravolta da conjuntura dos EUA pode ser mais violenta e pode evoluir para uma recessão.".
Ciclo
O ciclo que se fechou hoje foi iniciado pelo próprio secretário no dia 19 do mês passado, ao dizer que seriam precisos "centenas de bilhões de dólares" para impedir que fosse adiante uma seqüência que, até então, incluía a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, a venda do Merrill Lynch a preço de ocasião (US$ 50 bilhões) ao Bank of America e ajudas bilionárias à seguradora AIG (US$ 85 bilhões) e às gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac (US$ 200 bilhões).
O pacote foi apresentado pelo governo, em sua primeira versão, no dia 20 de setembro: um documento vago, de três páginas, em que eram solicitados US$ 700 bilhões sem mencionar o compromisso de prestação de contas.
A idéia não agradou o Congresso, que então colocou em marcha um processo de negociação intenso, ao longo do qual ainda tombaram o Washington Mutual --no que analistas definiram como a maior falência de um banco nos Estados Unidos-- e o Wachovia, quarto maior banco do país, que nesta sexta-feira anunciou nesta sexta-feira a fusão com o Wells Fargo, em uma operação de US$ 15,1 bilhões em troca de ações.
Na segunda-feira passada, dois terços dos republicanos e um terço dos democratas na Câmara rejeitaram a proposta inicial da Casa Branca. Após a rejeição, o Dow Jones, principal índice da Bolsa americana, registrou sua maior queda em pontos da história, e a Bolsa brasileira chegou a ter o pregão suspenso por cair mais de 10%.
Na versão final do Senado, o documento ganhou mais de 450 páginas. Naquela Casa, o texto recebeu 74 votos a favor e 25 contra. Entre os senadores que aprovaram o pacote estão os candidatos à Presidência dos EUA, Barack Obama e John McCain. Apenas o senador Edward Kennedy, que está sob tratamento de um câncer, não votou.
Apelos
Antes da primeira rejeição ao pacote, o presidente Bush foi à TV três vezes pedir urgência na aprovação da medida.
No dia 24, ele disse que a não-aprovação da ajuda mergulharia o país em "uma longa e dolorosa recessão"; no dia 26, que não havia desacordos sobre a necessidade de se fazer algo para evitar maiores danos à economia; e no dia 29, horas antes da primeira votação na Câmara, que a aprovação do pacote deveria ser difícil.
Já o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Ben Bernanke, foi ao Congresso tentar convencer os legisladores da necessidade do pacote.
Bernanke, que foi chefe dos conselheiros econômicos da Casa Branca e é especialista na Grande Depressão de 1929, pintou um cenário preocupante, principalmente em período de campanha para eleições legislativas: "Acredito que se os mercados de crédito não estiverem funcionando, empregos serão perdidos, nossa taxa de crédito vai aumentar, mais despejos vão ocorrer, o PIB [Produto Interno Bruto] vai contrair e a economia não vai conseguir se recuperar de um modo normal, saudável", disse.
Ontem, durante encontro com dirigentes de pequenas e médias empresas, Bush afirmou que o financiamento para os pequenos negócios está praticamente congelado e que era necessário que a Câmara aprovasse o pacote de resgate econômico.
"O crédito está congelado. As pessoas não estão conseguindo empréstimos de bancos e os bancos não estão emprestando para as médias e pequenas empresas. Isso significa que os empregos das pessoas estão em risco", disse.