No sistema tributário brasileiro, quanto mais confuso melhor ; ao menos pela ótica de quem arrecada. Já os consumidores dificilmente desconfiam de que pagam mais impostos do que poderiam imaginar, caso se dessem ao trabalho de conferir as alíquotas dos 61 tributos em vigor. É que a maneira de se calcular a fatia do Fisco engorda a arrecadação ao incluir os impostos na própria base de cálculo, no que se convencionou chamar de ;tributação por dentro;. Na prática, garante um recolhimento extra superior a R$ 50 bilhões por ano, dinheiro suficiente para custear o Bolsa Família por meia década e mais do que garantia a finada CPMF.
Isso acontece porque os tributos incidem sobre o preço final, ou seja, são calculados num valor onde os próprios impostos já foram incluídos. Confuso? Certamente. E fica ainda pior quando se sabe que há um efeito cascata, com cada tributo entrando na base de referência dos demais.
Na prática, um empresário, quando vai decidir quanto precisa cobrar por determinado produto, faz a conta ao contrário. Vai somando os tributos para descobrir quanto terá de cobrar do consumidor para ficar com o valor que precisa para cobrir seus custos e ainda ter lucro.
Se esse valor é de R$ 100, uma alíquota de ICMS de 18% deixaria o preço final em R$ 118. Mas se o empresário vender o produto por R$ 118, terá que recolher R$ 21,95 (18% de R$ 118), o que o deixaria com R$ 96. Para tirar os R$ 100, terá que vender aquele produto por R$ 121,95. Ou seja, na prática, o ICMS dessa venda foi de 21,95%, mais, portanto, que os 18% previstos na legislação.
O efeito é ainda maior, porque o ICMS não é o único tributo a distorcer o resultado. O mesmo acontece com outros, como PIS e Cofins. E o resultado ao consumidor é pagar uma carga tributária superior à ;oficial; em tudo o que compra, mesmo em serviços como energia elétrica, onde a alíquota nominal é de 48,28%, mas na prática vira 93,35%; ou telefonia, em que 46,17% vira 85,77% (veja quadro).
;Não é à toa que a arrecadação cresce mais do que o PIB. As alíquotas no Brasil já são muito altas, 18%, 25% até 30%. Só que ficam ainda maiores, mas escondidas, e as pessoas estão pagando sem nem saber. São coisas que tornam o sistema tributário brasileiro único no mundo;, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral.
Máscara
Num estudo divulgado este ano, o IBPT fez a conta de quanto a forma de cobrança faz diferença e descobriu que a ;tributação por dentro; eleva o preço de mercadorias e serviços em 7,2%, em média, e garante aos cofres públicos um extra equivalente a 2,03% do Produto Interno Bruto (PIB). Em valores do ano passado, isso significa uma arrecadação adicional de R$ 52 bilhões.
;O pior é que os consumidores podem achar que são as empresas que estão ficando com a diferença;, avalia o economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. A entidade defende que a cobrança seja feita sobre o preço de custo, mas reconhece que essa é uma luta perdida. ;Considerando-se que o governo não vai aceitar uma queda na arrecadação, devíamos fazer o cálculo ;por fora; e corrigir as alíquotas para seus valores reais. No mínimo seria mais transparente. Do jeito que está, mascara o peso real dos impostos;, diz o economista.
O caminho adotado, porém, é o oposto. Não apenas o plano é manter a cobrança ;por dentro;, como o projeto de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional cristaliza a sistemática atual ao colocá-la na Constituição Federal. Segundo um especialista consultado pelo Correio, o governo recusa-se a discutir a cobrança ;por fora; porque isso tornaria oficial que as alíquotas são maiores do que parecem.
;Não há muito interesse dos poderes públicos, seja federal, estadual ou municipal, de abrir essa discussão porque, no mínimo, as pessoas ficariam mais conscientes do quanto pesam realmente os tributos;, arrisca o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do DF, Roberto Piscitelli.
Segundo o presidente do IBPT, o mais curioso é que não existe previsão legal firme para a ;tributação por dentro;. ;Não está na lei. E é uma sistemática que só existe no Brasil e o próprio governo parece reconhecer essa fragilidade ao querer botar isso na Constituição;, afirma Amaral.